Título: Distritais dobrarão salários em quatro anos
Autor: Taffner, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2010, Cidades, p. 25

Câmara legislativa Com a aprovação de 61,8% de reajuste para deputados e senadores, parlamentares do DF planejam aprovar aumento que garantirá remuneração de R$ 20.025,00

O que você acha de receber um aumento salarial de 110% nos próximos quatro anos? E se, independentemente da produção ou dos escândalos enfrentados no trabalho, o retorno financeiro for garantido? Parece surreal, mas não é. Também não é ilegal. É uma medida autorizada pela legislação brasileira, na qual quem concede o reajuste é o próprio beneficiado: o legislador. O acréscimo de 61,8% aprovado no Congresso Nacional na última quarta-feira não será aplicado apenas na Esplanada dos Ministérios. O efeito cascata seguirá um pouco adiante no Eixo Monumental, até a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

Os 24 deputados distritais eleitos para a atual legislatura começaram o mandato, em janeiro de 2007, recebendo R$ 9,6 mil. Agora, reeleitos e novatos serão agraciados com um salário mensal de R$ 20.025,00. Isso porque a lei em vigor diz que a remuneração dos distritais pode ser de até 75% do valor recebido pelos federais. Com isso, cada um ganhará R$ 1,2 milhão nos próximos quatro anos. Entretanto, o aumento não é automático ou obrigatório. Para ele vigorar, os próprios membros do parlamento local devem aprovar um projeto de decreto legislativo (PDL) ¿ o que pode ocorrer na sessão de hoje, a última do ano.

Questionada pela reportagem do Correio sobre o provável aumento no contracheque, a maioria dos distritais mostrou desconhecimento sobre o assunto ou fez pouco caso. Alírio Neto (PPS) rebateu a pergunta com: ¿Que efeito cascata no salário?¿. Atualizado sobre o assunto, ele destacou a legalidade do reajuste e disse que não teria problema algum em votar favoravelmente ao projeto. Rôney Nemer (PMDB) afirmou acreditar que a diferença seria paga naturalmente a partir do próximo ano, sem necessidade de interferência do Legislativo.

Entretanto, nos bastidores, a notícia é de que os deputados estão articulando a aprovação do PDL. Para tanto, o atual vice-presidente e candidato ao posto maior da Câmara, Cabo Patrício (PT), estaria recolhendo assinaturas a favor do projeto. Durante a tarde de ontem, o petista conversou com cada colega no plenário, entregou uma lista guardada em uma pasta com o timbre da Casa e colheu o autógrafo dos distritais. Fez isso repetidas vezes, sentando-se ao lado de cada um.

Mas Patrício negou o fato e disse que estava, apenas, recolhendo apoio para sua candidatura à Presidência. ¿Não tem sentido mexer com isso agora, inclusive porque metade dos deputados não estará aqui no próximo ano¿, justificou. Mesmo assim, ele foi visto repetindo o ritual ao lado de distritais que deixarão a Casa em 31 de dezembro, como Jaqueline Roriz (PMN) e Raimundo Ribeiro (PSDB). O atual presidente, Wilson Lima (PR), negou ter assinado qualquer documento. Segundo a Assessoria de Comunicação da CLDF, o assunto não está sendo tratado.

Tramitação O projeto de decreto legislativo para garantir o reajuste deve ser de autoria da Mesa Diretora. Para a aprovação, é preciso ter quorum simplificado, ou seja, 13 votos ¿ o mesmo número de parlamentares não renovarão o mandato na CLDF. A votação ocorre em apenas um turno. Se entrar na pauta do dia, o PDL deverá ter um voto contrário. Reguffe (PDT) mantém o discurso de ética e a postura de se posicionar contra os benefícios dos colegas, postura que o ajudou a ser o deputado federal pelo DF mais votado no último pleito, com 19% da preferência do eleitorado. ¿Considero (o reajuste) revoltante. Só aumenta o fosso entre o parlamento e a sociedade, porque os parlamentares acabaram de virar as costas para a opinião pública¿, afirmou Reguffe, ao repetir o mesmo discurso de 2007.

Há quem diga na Câmara que a negociação para aprovar o aumento faça parte da articulação para a eleição da Mesa Diretora. ¿Isso não é nenhuma plataforma ou de promessas¿, rebateu Patrício. Se fizer parte de um pacote de benefícios, o reajuste será um item tentador para os eleitores. A receita anual dos deputados passará de R$ 148,6 mil para R$ 300 mil. O montante é equivalente a 588 salários mínimos ¿ no valor atual de R$ 510. Isso porque além dos 12 ordenados e do 13º, eles recebem outros dois salários, apelidados de 14º e 15º. O recebimento dos extras não é obrigatório, mas quem abre mão deixa os recursos nos cofres da Casa.

Com o aumento, o orçamento anual da Câmara Legislativa sofrerá um impacto de R$ 2.750.738,40. Serão gastos R$ 11 milhões a mais na próxima legislatura só para pagar os distritais. O reajuste também atinge os salários dos membros do Executivo. Para tanto, também será preciso apresentar um PDL para o mesmo fim. De acordo com a legislação, a remuneração do governador é 30% maior do que a de um distrital. Com isso, Agnelo Queiroz (PT) pode assumir o mandato recebendo R$ 26 mil. O vice-governador ganharia um pouco menos, R$ 23 mil, enquanto os secretários de Estado são equiparados aos parlamentares locais.

HISTÓRIA REPETIDA Em 6 de junho de 2007, os deputados distritais aprovaram um reajuste de 28,5%. O reajuste do subsídio também surgiu no esteio do aumento no Congresso Nacional, com o mesmo índice. A iniciativa fez o salário dos distritais aumentar de R$ 9.635,40 para R$ 12.384,06 e teve efeito retroativo para 1º de abril daquele ano. O projeto de decreto legislativo foi aprovado, na época, com apenas um voto contrário, o de Reguffe (PDT). No mês anterior, um projeto do pedetista e de Pedro Passos (PMDB) para acabar com os 14º e 15º foram rejeitados. No lugar, vigorou um substitutivo que tornou o recebimento opcional.