Título: Escolhido tem relação estreita com o presidente
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2007, Política, p. A8

Em seus 62 anos de idade, o vice-presidente executivo de Recursos Humanos e Assuntos Jurídicos e Corporativos do Santander Banespa, Miguel Jorge, mineiro de Ponte Nova, exerceu o jornalismo diário durante 24 anos, 21 dos quais no grupo "O Estado de S.Paulo". Sua migração para a área empresarial ocorreu em 1987, ao assumir a vice-presidência para assuntos corporativos da Autolatina, a joint venture formada naquele ano entre a Volkswagen e a Ford.

Pesou para a escolha a vasta rede de contatos desenvolvida por Miguel Jorge no comando da redação do "Estado", onde tornou-se interlocutor dos protagonistas do movimento sindical no ABC e conheceu o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à época presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e posteriormente presidente do PT.

Foi a mesma razão que levou Miguel Jorge a ser mantido na Volkswagen, depois da dissolução da Autolatina em 1994, e ingressar no Santander Banespa em janeiro de 2001. Dois meses antes, em novembro de 2000, o federalizado Banespa havia sido vendido para o espanhol Santander e havia necessidade de "abrasileirar" a instituição e estabelecer um bom relacionamento no meio político tanto da situação quanto oposicionista.

O executivo ajudou a aproximar os principais candidatos à Presidência da República e diversos postulantes a outros cargos do banco em 2002. Em 2006 houve contatos com uma lista menor de candidatos, fora do âmbito presidencial. Segundo relatos de parlamentares, o Santander adotou uma saída discreta e habilidosa para fazer doações financeiras às campanhas.

Os recursos foram doados às direções partidárias, com a orientação de serem repassadas para o candidato de preferência da instituição. Desta maneira, o banco agia de maneira rigorosamente legal, sem precisar expor-a si e ao postulante. De forma direta, as doações do Santander foram insignificantes: apenas R$ 12 mil para quatro candidatos.

A boa relação com Lula, mantida até hoje, é apontada como o fator principal para a sua escolha para o ministério. O executivo foi nomeado em 2003 para compor o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e vem conversando com o presidente regularmente pelo telefone há anos, em uma linguagem que dispensa formalidades. Dentro do governo federal, somente com o presidente Miguel Jorge possui semelhante abertura. Ontem, o executivo manteve em Brasília quatro horas de reuniões separadas, com Lula, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro demissionário, Luis Fernando Furlan, para tratar do ministério.

Em conversas anteriores com Lula, Miguel Jorge abordou com o presidente temas como o spread bancário, a correção da caderneta de poupança, o financiamento habitacional em parcelas fixas e a conta-salário.

Em relação ao último tema, sua defesa da prerrogativa do empregado de escolher a conta bancária onde irá receber causou atritos entre o Santander Banespa e a Febraban, ainda em 2004. A entidade patronal dos bancos reclamou formalmente, por meio de correspondência, da movimentação pública do Santander em relação ao assunto. Meses antes da troca de cartas, Miguel Jorge teve que ser substituído na direção da Febraban por outro executivo, Marcos Madureira. O motivo alegado foi a impossibilidade do executivo comparecer às reuniões. Os encontros da entidade aconteciam às quartas-feiras, dia em que Miguel Jorge tinha por hábito despachar em Brasília.

À frente da Autolatina, Miguel Jorge destacou-se ao participar da negociação com o então presidente Itamar Franco que permitiu a volta da produção do Fusca, em troca de benefícios relativos à cobrança do IPI. A reação de outras montadoras fez com que posteriormente o IPI menor fosse estendido a todos os veículos com menos de mil cilindradas. Mas Miguel Jorge atuou para garantir o mesmo benefício para automóveis refrigerados a ar, o que abrangia na época apenas a Kombi, o utilitário da Volkswagen.

Nas relações com o meio sindical, o executivo protagonizou alguns episódios de dureza. Durante uma greve em uma instalação da Ford, alguns grevistas colocaram fogo em carros de executivos da holding. Em entrevista coletiva, Miguel Jorge afirmou à época que os grevistas haviam preparado coquetéis molotov e poderiam provocar uma explosão no setor de pintura da empresa, atingindo todo o bairro de Rudge Ramos. A informação foi desmentida pela Polícia no mesmo dia. (Colaboraram Marli Olmos e Raquel Ballarin, de São Paulo)