Título: Um gabinete fichado na política
Autor: Fernandes, Maria Cristina
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2007, Política, p. A9

O ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva só perde para o de José Sarney em proporção de titulares com ficha de filiação partidária. Dos 35 titulares de Pastas com status de ministério, apenas 7 não são filiados a partidos. As Pastas que ainda estão por ser definidas - o Desenvolvimento Agrário e as Secretarias (Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Social) - dificilmente sairão das mãos do PT. A proporção de ministros filiados é a mesma do gabinete montado pelo presidente em 2003. É também superior a ambos os mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que não ultrapassaram 60% de ministros fichados em partidos.

O que mudou foi que a densa maioria (80%) de ministros políticos do segundo mandato lulista representam partidos que têm 60% dos assentos da Câmara. No primeiro ministério montado por Lula, as Pastas políticas, que detinham a mesma fatia do governo, representavam apenas 38% das cadeiras de deputados.

Esta relação mais equilibrada entre composição ministerial e representação parlamentar foi garantida antes pela entrada de cinco pemedebistas na Esplanada dos Ministérios do que pela redução do espaço do PT no governo.

Dos 20 titulares petistas de 2003, hoje o ministério tem 16. Mais do que a supressão de quatro Pastas, o que mudou foi o peso do PT no governo. A trinca Walfrido dos Mares Guia - Dilma Rousseff - Tarso Genro é uma prima distante daquele que ficou conhecido como o 'núcleo duro' (José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken) de 2003. A começar pela ausência de paulistas que hoje estão na cúpula de governo.

Dos 11 nomeados pelo primeiro ministério de Lula, a representação paulista do segundo mandato ficou reduzida a sete Pastas. Ainda assim, São Paulo é o Estado melhor representado no ministério. O Rio Grande do Sul e o Distrito Federal também perderam, na esteira dos petistas desses Estados que naufragaram nas urnas. Inverteu-se, assim, a lógica dominante no primeiro governo que premiou os petistas derrotados.

Os Estados que mais ganharam peso na divisão do bolo na Esplanada foram Bahia, Minas e Rio. Esse mosaico federativo do ministério só é possível se se considerar, por exemplo, que Gilberto Gil está na cota da Bahia, Estado em que exerceu seu único cargo público (vereador) antes de se tornar ministro. A bancada nordestina da Esplanada manteve-se minoritariamente estável com 20% do ministério.

A nomeação do jornalista Miguel Jorge para o Desenvolvimento, reduz a Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais) a representação empresarial na Esplanada. O único empresário do gabinete ocupará sua Pasta mais política.

Deve-se à jornalista Carolina Juliano de Carvalho, e à tese "O Recrutamento Ministerial em 20 anos de Democracia no Brasil (1985-2005)", apresentada na Universidade Nova de Lisboa, a constatação de que o ministério inaugural do primeiro mandato de Lula foi aquele com o maior número de empresários desde a redemocratização: Roberto Rodrigues (Agricultura), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), José Alencar (Defesa) e Walfrido (Turismo).

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Com um único empresário, o segundo governo Lula aproxima-se da média histórica do período pós-redemocratização. Ponto fora da curva foi a ampliação da cota de empresários com a qual o ex-operário, em busca de legitimidade, carimbou seu primeiro mandato.

Desta vez, Lula foi vencido pelo cansaço - dada a lista dos que recusaram o convite do presidente - ou chegou à conclusão de que sua interlocução com o meio empresarial independe de sua presença na Esplanada.

A participação do deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR) no ministério de Lula, depois de ter servido a dois governos anteriores - Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, sempre na Previdência - apenas confirma a tendência levantada por Carolina Juliano de uma significativa continuidade de nomes nas duas últimas décadas.

De 219 titulares de Pastas que passaram pela Esplanada desde 1985, 24 serviram a mais de um governo, sendo que oito foram ministros por três vezes. Luiz Carlos Bresser Pereira, foi o recordista. Ficou ministro por 97 meses (mais de oito anos) em três governos - Sarney (Fazenda), FHC 1 (Administração) e FHC 2 (Ciência e Tecnologia). Nuri Andraus, empresário brasiliense nomeado por Itamar (1993) para a Agricultura está no extremo oposto. Ficou 11 dias no cargo mas não resistiu à revelação de que era réu num processo de assassinato.

Foi pelo governo Collor que passou o ministro mais jovem do período, Antônio Cabrera, que chegou à Agricultura com 29 anos. Lula e Itamar Franco nomearam os ministros mais idosos. O atual ministro da Defesa, Waldir Pires, assumiu a Controladoria Geral da União, em 2003, aos 77 anos, mesma idade com que o filólogo Antônio Houaiss foi empossado na Pasta da Cultura (1993).

Dos cinco presidentes do período, Lula foi o que mais nomeou mulheres e FHC, o que teve a mais reduzida presença feminina na Esplanada. Com a entrada de Marta Suplicy, somam-se cinco no segundo mandato lulista, uma a mais do que no primeiro.

Das mais de duas centenas de ministros levantados pela tese, 90,4% têm curso superior e apenas dois chegaram à Esplanada com o curso primário, um nomeado por FHC e o outro, por Collor. No período pesquisado, as áreas da Previdência, Trabalho, Assistência Social, Agricultura, Orçamento e Reforma Agrária foram as que tiveram maior rotatividade. Relações Internacionais, Casa Civil, Integração Nacional e Meio Ambiente foram as que menos tiveram mudança de titularidade.

Seis em cada dez ministros das últimas duas décadas, não ultrapassaram dois anos no cargo e a maioria é de homens, oriundos do Sudeste, com idade entre 50 e 69 anos, filiados a partidos e com curso universitário. A rotatividade coincide com o intervalo entre as eleições no país e confirma o cargo de ministro como um estágio da carreira política. O gabinete de Lula confirma a regra.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

mcristina.fernandes@valor.com.br