Título: Uma mesma empresa, mas dois focos diferentes
Autor: Torres, Fernando; Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2013, Brasil, p. A4

O CNPJ é um só. Mas a BNDESPar atua na verdade como duas empresas. Uma delas, que chama menos atenção, desempenha exatamente o papel que, na teoria, se encaixa na ideia que as pessoas têm sobre o que uma empresa de participações ligada a um banco de desenvolvimento estatal deveria cumprir.

É a BNDESPar que investe em empresas como as desenvolvedoras de softwares Totvs, Linx e Senior Solution - para ficar apenas nas mais conhecidas. São investimentos de capital de risco em empresas nacionais, de base tecnológica, inovadoras e que são micro ou pequenas no momento do investimento inicial. O dinheiro injetado e o conhecimento estratégico "emprestado" ajudam no crescimento e profissionalização dessas companhias, que acabam, por fim, alcançando patamares que lhes permitem se financiar via mercado de capitais, com acionistas e credores privados.

Para receber aporte de capital nesse estágio, as empresas costumam passar por rígidos processos de seleção, que contam com chamadas públicas e critérios conhecidos para escolha de projetos. Ter base tecnológica e ser inovadora são alguns deles. Estar ligada a áreas de infraestrutura não desenvolvidas no país é outro ponto avaliado na seleção.

Já a outra BNDESPar, que costuma estampar as manchetes de jornais, é aquela que realiza investimentos em companhias de grande porte, a maior parte já de capital aberto. Nessa BNDESPar, nem sempre fica claro para o público o critério de escolha das eleitas.

Na falta de uma lista oficial de setores prioritários nesse segundo caso, a evidência empírica serve de referência. O foco principal dessa outra BNDESPar é apoiar os segmentos de petróleo, mineração, energia, proteína animal e papel e celulose.

O papel do BNDESPar é exercido com injeção de recursos em aumentos de capital bilionários, para contribuir em projetos de crescimento via elevação de capacidade ou via fusões e aquisições, incluindo internacionalização. Na maior parte dos casos, o apoio do banco ajuda a manter a estrutura de controle.

Além do perfil da carteira e dos critérios de investimento mais ou menos transparentes, existe outra distinção relevante entre essas duas BNDESPar. A primeira tem uma carteira pequena, que soma menos de R$ 5 bilhões. A segunda possui investimentos totais da ordem de R$ 70 bilhões.

Não há como negar que a diferença de valores tenha a ver com o porte das empresas investidas. Mas tampouco é possível esconder que a alocação de recursos revela uma escala de prioridade. Há empresas de segmentos mais jovens na bolsa, como de varejo e serviços, que não têm recebido investimentos da BNDESPar até agora.

Será que se ficasse com apenas um foco, a BNDESPar poderia também remanejar seu pessoal e seu capital em busca de mais empresas iniciantes, inovadoras e promissoras para investir? Ou será que faltam "startups" no Brasil querendo aportes de recursos?

Ou então não. Mantém-se o sistema de dupla atuação. A própria BNDESPar diz que ele é importante, já que as empresas maduras, com seus dividendos, ajudam a garantir que o BNDES cobre spreads mais baixos nos financiamentos.

Nesse caso, seria importante que se medisse e se divulgasse mais o impacto econômico e social dos aportes de capital que realiza em grandes empresas.