Título: Mercado criou mitos sobre ação do banco, critica diretor
Autor: Torres, Fernando; Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2013, Brasil, p. A4

Julio Ramundo, diretor da BNDESPar, diz que o mercado construiu três mitos "perigosos" em relação à atuação do braço de participações do BNDES. Nesta entrevista ao Valor Pro, serviço de informação em tempo real do Valor, o executivo, com quase 20 anos de carreira no banco, tenta desfazer esses mitos. Rebate a ideia do que chama de campeonato nacional, que seria a escolha, pelo banco, de empresas para serem "campeãs nacionais". Nega uma suposta indisciplina de capital e argumenta que, ao contrário do que se diz, o banco não faz uma má gestão de recursos públicos. "A BNDESPar é independente do Tesouro", garante ele. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Como se explica o aumento da concentração na carteira da BNDESPar?

Julio Ramundo: Há setores em que a intensidade de capital é mais elevada. Outro elemento importante é que a carteira tem valorização e mudanças na sua composição. O BNDES não é um gestor de um fundo ou de uma carteira de ações. A área de renda variável do BNDES é uma área de participação dentro de um banco de desenvolvimento. Isso é diferente de dizer que o BNDES faz gestão de um fundo de ações. A lógica da gestão é diferente. As variações da carteira exprimem a intensidade de capital de determinados setores. E, em determinadas situações, o BNDES recebe capitalizações de seu controlador. Em 2010, houve uma operação grande de Petrobras que se expressa no nível de concentração. Vale destacar que, a despeito dessa concentração, que pode levar à falsa conclusão de que o BNDES está reproduzindo determinado padrão de divisão setorial da economia brasileira, é importante verificar os movimentos menores em valor, mas representativos em termos da carteira.

Valor:Quais movimentos?

Ramundo: O caso de tecnologia da informação, por exemplo. Das quatro empresas de tecnologia da informação que estão na bolsa, três têm a digital do BNDES. O caso da Totvs é ilustrativo e gostaríamos que se multiplicasse. A primeira operação do BNDES com a Totvs ocorreu no fim de 2005. Naquele momento, o BNDES avaliou a empresa em R$ 250 milhões. Hoje, a Totvs tem valor de mercado de R$ 7 bilhões. É um movimento no qual conseguimos construir uma empresa de padrão global.

Valor:O que diferencia o BNDES dos gestores privados?

Ramundo: O BNDES é investidor de longo prazo, comprometido com o desenvolvimento da competitividade das empresas brasileiras, mudando o padrão de governança das empresas e permitindo desenvolver o mercado de capitais. Com uma carteira desse tamanho, o BNDES poderia fazer lucro com produtos exóticos ou fazendo trading. Mas não é esse o mandato do BNDES. E é um mandato de sucesso, inclusive em termos de retorno e rentabilidade. Estão sendo criados mitos perigosos em torno da ação da BNDESPar.

Valor: Quais são os mitos?

Ramundo: Há três mitos: o primeiro é o do campeonato nacional. O segundo é o da indisciplina de capital por não entender a origem da fonte dos recursos e como opera a BNDESPar. E o terceiro mito, que é muito perigoso, é o de uma suposta má gestão que chega a arranhar uma visão de responsabilidade na gestão de recursos públicos.

A BNDESPar é independente dos recursos do BNDES; ela não pressiona o seu orçamento

Valor: E por que seriam mitos cada um desses pontos?

Ramundo: O mito do campeonato nacional passa a ideia de que existe uma escolha, como se houvesse um presidente de confederação que escolhe os times, os técnicos e os capitães que vão participar [do processo] e o que vão fazer. O BNDES não atua dessa maneira. O BNDES analisa planos de negócios das empresas. O mito também é vazio porque ignora o que existe em termos do mérito e da motivação do banco.

Valor: Pode dar um exemplo?

Ramundo: O setor de proteína animal. Foi um movimento do qual o banco participou com outros agentes de mercado e que mudou o patamar de competitividade nas empresas. Eram empresas que há seis anos tinham determinado faturamento, distribuição geográfica da receita e perfil de produtos e hoje é completamente diferente. Hoje JBS e Marfrig são as empresas mais internacionalizadas [segundo ranking do setor]. Ao colocar essas empresas em condições de participar da competição global, isso tem benefícios em termos de novas competências, de acesso a recursos financeiros e humanos. E as exigências dos mercados onde passam a atuar ajudam a diferenciar essas empresas. A longo prazo acreditamos que haverá movimento de valorização de ativos.

Valor: Qual a vantagem da entrada do BNDES?

Ramundo: É um benefício tangível. Há cinco anos, o Brasil não tinha, na expressão empresarial, a representação da vantagem competitiva que tinha em um setor que é chave para a alimentação do mundo. Era o player mais competitivo e não tinha expressão internacional. E passou a ter. É preciso reconhecer que o fundamento da ação do BNDES é projeto, plano de negócios e empresa. A expressão da atuação do BNDES sempre vai se dar dentro desse contexto.

Valor: Como a BNDESPar escolhe as empresas?

Ramundo: Todo processo é iniciado pela empresa e a BNDESPar segue os mesmos processos do BNDES: a operação passa por processos de enquadramento, escrutínio de assessores e depois vai para a diretoria do banco para ser aprovada. São passos idênticos aos do financiamento. As operações de renda variável seguem as políticas operacionais e as prioridades do BNDES. A BNDESPar não é um ente à parte que tem objetivos próprios, destacados ou independentes do BNDES. A diretoria da BNDESPar se confunde com a do BNDES.

Valor: Por que há empresas que são apoiadas e outras não?

Ramundo: As operações precisam ter bom projeto, bom plano de negócio e ter por trás uma empresa na qual o BNDES identifique competência e capacidade de executar o plano, ainda que com algum risco, que é da natureza das operações de renda variável. E precisa ter estrutura societária e um desejo de fazer caminho de estrutura societária na direção das melhores práticas de governança. Muitos dos casos que chegam ao BNDES não respeitam um desses três pontos e não passam no crivo.

As operações de renda variável seguem as políticas operacionais e as prioridades do BNDES

Valor: E a questão da indisciplina de capital?

Ramundo: É o segundo mito sobre o qual falei. Como o BNDES vem recebendo empréstimos do Tesouro, se faz dedução lógica de que o dinheiro do Tesouro vem para o BNDES, o banco transfere para a BNDESPar, a direção do banco se senta em uma sala e escolhe-se quem são os campeões nacionais. A BNDESPar é independente dos recursos do BNDES. Se pegar de 2006 para cá, a BNDESpar tem saldo de caixa de R$ 11 bilhões. O mercado avalia que, quando o capital é abundante, se faz maus investimentos, se faz qualquer coisa, se faz o campeão e se perde dinheiro. Os retornos da BNDESPar atestam o contrário, salvo o do ano passado. A BNDESPar não pressiona o orçamento do BNDES.

Valor: Como explica os aumentos de capital da BNDESPar?

Ramundo: O BNDES, historicamente, tinha por prática, quando recebia ativos da União, vender os papéis para a BNDESPar, que ficava com uma dívida com o banco. Na época de transição para o IFRS, foi feita a mudança de prática contábil, para melhoria de transparência, e esse mútuo antigo foi transformado em capital. Mas não entrou um tostão. Além disso, houve em 2010 a operação ligada à capitalização da Petrobras, de R$ 22,8 bilhões. Veio com funding e objetivos específicos. Esse não foi um investimento recorrente, foi uma operação de governo.

Valor: Mas que está dando um prejuízo grande.

Ramundo: Eu não tenho problema com esse ativo, vejo como reserva de valor.

Valor: E o terceiro mito?

Ramundo: Está se construindo a imagem de que o BNDES tem má gestão de recursos. Mas é o contrário. A BNDESPar é independente do Tesouro e, embora represente, em média, 20% dos ativos do BNDES desde 2007, garante 50% dos lucros, de forma recorrente, excetuando 2012.

Valor: Quase não existem na carteira investimentos em varejo e em empresas de serviços, como educação e saúde. Por quê?

Ramundo: Essas empresas têm ciclos de investimento mais curto, caso do varejo. No setor de serviços, estamos fazendo uma reflexão sobre seu efeito na produtividade. Ganhar qualidade no investimento em serviços induz ganhos de produtividade em outros setores.

Valor: Daqui a cinco anos, a carteira vai ter mais exposição em empresas inovadoras?

Ramundo: O banco vai ter muito mais exposição a setores de elevado risco, como empresas com base tecnológica ou que possuam ativos intangíveis. Eu adoraria que no Brasil houvesse "Apples", Vale do Silício. Vamos induzir isso. Por falta de capital não vai ser. O BNDES vai estar presente para financiar os planos, desde que consistentes.

Valor: Vale a pena vender parte da carteira antiga?

Ramundo: Não. A BNDESPar tem papel muito importante no modelo financeiro do BNDES. O resultado da BNDESPar faz com que o BNDES possa, o que é mais um tema de 2006 para cá, cobrar os spreads mais baixos da história do banco. Quando a BNDESPar dá resultado, ela faz com que o banco, lá na ponta, possa cobrar menos juros nas operações de infraestrutura e para as micro, pequenas e médias empresas.