Título: Foco devia ser inovação e empresas menores, dizem analistas
Autor: Torres, Fernando; Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2013, Brasil, p. A4

O ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Carlos Lessa diz que muitos anos antes de ele próprio dirigir a instituição, em 2003, ouviu o atual presidente do banco, Luciano Coutinho defender o desenvolvimento industrial por meio de grandes "campeões nacionais". Lessa gosta da realidade que vê hoje. Segundo ele, o foco do banco no desenvolvimento de áreas de fronteira tecnológica importantes para o país, entre elas o setor de petróleo e toda a indústria que pode se desenvolver prestando serviços e fornecendo equipamentos ao setor, é fundamental. "A tese é absolutamente correta."

Não é o que pensa, no entanto, um outro grupo significativo de economistas. Nos últimos cinco anos, à medida que a política de formação de campeões nacionais delineada por Coutinho e sua equipe foi ganhando força, as críticas ao BNDES e ao seu braço de participação acionária, a BNDESPar, cresceram em uma velocidade superior à dos aumentos de capital feitos no banco de fomento.

As análises batem na tecla de que, do ponto de vista de uma política industrial convincente, a concentração dos investimentos em companhias de grande porte de determinados setores não se justificaria. O entendimento é que os alvos da BNDESPar não são os de um banco de desenvolvimento porque privilegiam operações cujas estruturas de custos já conhecidas atrairiam sem dificuldades os investidores privados. Para esses críticos, o banco deveria dar mais atenção a empresas menores, focadas em inovação tecnológica.

"A BNDESPar deveria escolher setores que o país deseja desenvolver, mas pelos quais o mercado, por algum motivo, não se interessa. Em termos de política industrial, a prática seria beneficiar setores emergentes", diz Sergio Lazzarini, professor e pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). O economista Mansueto Almeida, concorda. "É uma política industrial feita para setores em que o Brasil já é competitivo e com foco no aumento do porte das empresas, mesmo que isso leve à concentração do mercado", diz.

Dados do relatório gerencial trimestral dos recursos repassados ao banco pelo Tesouro Nacional referentes ao quarto trimestre mostram que entre 2009 e 2012, o BNDES captou no Tesouro R$ 285,2 bilhões - além de reter R$ 36,2 bilhões referentes ao retorno da carteira de contratos. Do total, 63,9% foram direcionados a empresas de grande porte dos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital. Só a Petrobras recebeu R$ 25 bilhões.

As micros, pequenas e médias empresas e pessoas físicas ficaram com 35,3% do total de recursos repassados pelos Tesouro no período, embora tenham abocanhado 86,9% da carteira em quantidade de projetos. A administração pública recebeu 0,8% dos recursos.

O gigantismo do banco à custa de endividamento público é uma preocupação - afora o uso em manobras fiscais. "Em 2010, o governo emitiu dívida, repassou para o BNDES, que comprou ações da Petrobras, que por sua vez pagou parte dos 5 bilhões de barris de petróleo ao Tesouro com esses recursos. Isso não tem nada a ver com política industrial, é mero truque contábil", diz Mansueto.

Nas contas de Mansueto, os empréstimos totais do Tesouro para os bancos públicos em geral (a maior parte para o BNDES) correspondiam a apenas 0,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2007, ou R$ 14 bilhões. No fim de 2012, o montante chegou a 9,2% do PIB, ou R$ 406 bilhões. "Preocupa porque desde 2008 a atuação não parou mais, mexendo com a dívida bruta do país", afirma. A dívida bruta, que engloba os passivos das três esferas do governo e estatais, cresce com uma operação como essa, ainda que o próprio Tesouro figure como credor do banco de fomento.

Mansueto diz que, além dos investimentos que já faz em infraestrutura, difíceis de ser bancados integralmente pela iniciativa privada, um banco constituído por recursos públicos deveria fomentar inovações que resultassem em ganhos para a sociedade.

A BNDESPar não despreza esse segmento, reconhece o economista. Uma olhada mais atenta na carteira do banco, que reunia em setembro participação em 153 companhias, indica a existência de pelo menos duas dúzias de empresas ligadas aos segmentos de biotecnologia, tecnologia da informação e automação, como a Totvs, maior empresa de software do Brasil, a Linx e a Senior Solution, empresas que recentemente abriram o capital em bolsa.

A questão, diz Mansueto, é que a especialização do banco em empresas mais inovadoras - que, segundo ele, exigem não mais do que R$ 200 milhões em aportes em quatro ou cinco anos - significaria reduzir substancialmente a carteira e fazer uma gestão mais estratégica dela. "O banco quer fazer de tudo e não tem recursos. Na ânsia de criar grandes campeões nacionais, faz operações custosas, que prescindem da sua participação e produzem aprendizado nulo para o setor público."

Para Cássio Rabello, especialista de projetos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), exemplos de países como Coreia, Japão, Alemanha e Estados Unidos são suficientes para justificar a importância do fortalecimento de grupos empresariais. "O movimento de participação acionária é uma das estratégias de que todos esses países ainda lançam mão", diz.

Mansueto diz que não é bem assim. Segundo ele, o que o BNDES faz hoje é muito diferente do que a Coreia fez na década de 60 e 70 e que, em sua visão, foi algo positivo. "A Samsung era uma grande têxtil e o governo deu crédito barato e proteção de mercado para ela se diversificar. O nosso foco maior é na criação de grandes grupos para fazer mais do mesmo."

Nada, contudo, tem mais poder de unir posições tão divergentes quanto o aumento da exposição da BNDESPar nas empresas do setor de proteína animal, que, em dez anos, saiu de zero para 6% da carteira. Para os críticos, é difícil enxergar os ganhos desse tipo de negócio, além daqueles obtidos pelo capitalista privado que recebe essas alocações. "O Luciano [Coutinho] vai dizer que a proteína vermelha é estratégica para o Brasil porque é setor primário exportador. Será?", pergunta Lessa.

Antonio Corrêa de Lacerda, professor do programa de pós-graduação em economia política da PUC de São Paulo, apoia a política industrial trilhada pelo banco, mas entende que as críticas feitas habitualmente se referem à falta de transparência em algumas operações. "Em momentos passados, a concentração em Petrobras, Vale, Eletrobras e de empresas de energia elétrica também se deu em face de falta de alternativas", diz. "Embora defenda a atuação do banco hoje, penso que ajudaria se houvesse uma postura mais proativa na comunicação do BNDES".