Título: País corre risco de perder liderança militar na região
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2007, Especial, p. A20

Se não aumentar rapidamente seus investimentos no reaparelhamento das Forças Armadas, o Brasil perderá a liderança sul-americana na área militar em um prazo de dez anos. Esse prazo seria suficiente para permitir que a Venezuela, o Chile e até mesmo a Colômbia consigam reunir arsenais de armamentos, frotas de caças, navios e submarinos mais poderosos e modernos que o Brasil.

A advertência é do professor Expedito Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, que vê uma estreita relação entre perda de poder militar e diminuição da influência política brasileira sobre seus vizinhos da América do Sul. Bastos nota que, entre os países que se candidatam a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil tem a menor liderança militar para a região que pretende representar. Alemanha, Japão, Índia e África do Sul também pleiteiam vaga de membro permanente em uma futura reforma do conselho da ONU.

No ano passado, a Venezuela de Hugo Chávez encomendou 24 Sukhoi-30 (uma versão anterior aos SU-35 oferecidos ao Brasil no Projeto F-X) à Rússia. Eles vão substituir antigos caças F-16 americanos. Os primeiros aviões já chegaram ao país vizinho. Outros 12 a 16 aviões F-5 serão modernizados pelo Irã, outro parceiro preferencial de Chávez, que também comprou helicópteros russos e pode investir cerca de US$ 3 bilhões para transformar a Marinha venezuelana na mais poderosa da América do Sul.

Motivo de preocupação assumida da Casa Branca, a aquisição de 100 mil fuzis Kalashnikov também assusta o Brasil, alega Bastos. "O que preocupa é o fato de que a Venezuela está instalando uma fábrica para produzir os fuzis, que poderão cair nas mãos de guerrilheiros, do crime organizado e até de movimentos sociais radicais, com o potencial de danos sérios ao Brasil", acredita.

Embora o Brasil não tenha se envolvido em conflitos bélicos desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), o pesquisador argumenta que o risco de confronto direto com outros países não é a única razão para investir na área militar. Ele lembra que nações vizinhas mantêm disputas territoriais, como aquela entre Venezuela e Guiana, que esquentou nos últimos meses. Para Bastos, modernizar as Forças Armadas é estratégico para evitar problemas como a transferência de guerrilheiros de países vizinhos para a Amazônia brasileira. "Se quisermos preservar a nossa segurança no futuro, resguardar as nossas fronteiras e ter capacidade de influenciar a região, temos que investir nas Forças", observa.

Para o almirante Mário César Flores, ex-ministro da Marinha no governo Collor, um dos desafios para tirar do papel o reaparelhamento militar é convencer a opinião pública sobre a importância desses investimentos.

Ele avalia que os assuntos relativos às Forças Armadas são tratados apenas de forma eleitoral e têm ficado restritos às mobilizações para reajustes salariais. Flores sugere que a sociedade não caia na tentação de pensar que o Brasil não precisa investir no setor devido à sua tradição de pacifismo na arena internacional. "É como desativar o Corpo de Bombeiros na certeza de que não vai haver incêndio", compara.

O almirante teme os recentes "rompantes armamentistas" da Venezuela e adverte que, para manter a paz, o Brasil não pode simplesmente confiar nos outros países. Flores se diz ausente das discussões sobre novos armamentos e tecnologias, mas ressalta um ponto da Marinha. "O que cria angústia é o pouco ou quase nenhum avanço da propulsão naval nuclear", afirma o ex-ministro, referindo-se ao antigo desejo de um submarino atômico.

Além da Venezuela, o Chile está recebendo caças americanos F-16C Falcon, fragatas inglesas, submarinos franceses e tanques de batalha alemães. Quem entrou em cena agora foi a Colômbia, que anunciou compras de US$ 3,6 bilhões, no fim do mês passado. Serão aquisições de aeronaves militares e equipamentos técnicos, além do aumento de 38 mil homens nas Forças Armadas. (DR)