Título: Efeitos da PEC dos precatórios serão desiguais
Autor: Jurgenfeld, Vanessa e Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2007, Brasil, p. A3
Estados e municípios estão mais interessados na possibilidade de pagar parte dos precatórios por leilão - o que permitiria algum alívio nesta dívida - do que na destinação mínima de 3% e 1,5%, respectivamente, da despesa primária do ano anterior para o pagamento destes títulos, conforme previsto no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que encampou o programa formulado por Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em muitos Estados e municípios, os pagamentos feitos atualmente já superam os percentuais previstos no projeto. Em outros, os governantes pagam menos e temem engessar os orçamentos com mais uma despesa obrigatória. Hoje, eles atrasam os pagamentos destes títulos. Em muitos governos, estão sendo pagas despesas de 10 anos atrás. Assim, a adesão não deve ser unânime.
O Estado de Santa Catarina, segundo a secretaria da Fazenda, tem hoje no Tribunal de Justiça registro de precatórios no valor de R$ 288 milhões e outros R$ 27 milhões no Tribunal Regional do Trabalho. Em 2006, Santa Catarina pagou R$ 10 milhões em precatórios, volume pequeno para o orçamento estadual de R$ 7 bilhões.
Ainda não há um estudo de quanto a mudança na forma de pagamento - sem necessidade de priorizar ordem cronológica em 100% dos casos, mas sim pagando primeiro os menores valores - poderá trazer de economia para o Estado. Hoje, estão sendo pagos os precatórios de 1999. O total de R$ 315 milhões em precatórios representa cerca de 3% da dívida pública total de R$ 9,8 bilhões.
Para Augusto Hinckel, secretário de Finanças da prefeitura de Florianópolis, a medida pode ser boa para o município. Florianópolis tem hoje um volume de R$ 6 milhões em precatórios, e os maiores valores são de títulos alimentares. Não há pagamento desses títulos desde 2004. Segundo Hinckel, chegou a ser estudada uma outra alternativa como usar parte dos recursos de depósitos em juízo, feitos por empresas que contestam tributos municipais, de forma a honrar os precatórios.
Hinckel explica que haveria cerca de R$ 27 milhões em depósitos que em parte poderiam ser usados pelo município, mas o TJ não aceitou, com o entendimento de que os recursos só poderiam ser usados após cada finalizada cada ação.
Desde 2003, a partir de um "acordo de cavalheiros" com o Tribunal do Trabalho e o Tribunal de Justiça do Paraná, o Estado recolhe R$ 10 milhões por mês em precatórios alimentares e trabalhistas, ou R$ 120 milhões por ano. Os de pequeno valor são recolhidos mensalmente. O diretor geral da Secretaria da Fazenda do Paraná, Nestor Bueno, disse que o estoque de dívidas com precatórios do Paraná é de R$ 3,55 bilhões. Ele acrescentou que o governo anterior não pagava os precatórios desde 1996.
A secretaria da Fazenda informou que a despesa primária líquida de 2006 foi de R$ 14,4 bilhões, ou seja, com a nova proposta o Paraná teria de desembolsar mais para o pagamento de precatórios. O Estado não fez outra proposta para o assunto.
Apesar do apoio da governadora Yeda Crusius (PSDB) à adoção de novas regras para os precatórios estaduais, o Rio Grande do Sul não deve aderir ao programa especial de liquidação dessas dívidas caso ele seja aprovado na versão que está no Senado. O percentual de 3% das despesas primárias líquidas do ano anterior é considerado inviável pelo governo gaúcho.
"O governo estadual tem limitações e só pode se comprometer com o que é possível pagar", afirmou Yeda. De acordo com ela, o novo "regramento" sobre os precatórios garantirá "justiça" se permitir o pagamento aos pequenos credores mesmo havendo atraso nos grandes valores (para isso é necessário quebrar o princípio da ordem cronológica das liquidações). Mas com o "cobertor curto" do orçamento do Estado, uma nova vinculação significará cortar recursos de outras áreas, alertou. A mesma preocupação existe na área técnica do governo de Santa Catarina.
O Estado acumula R$ 3 bilhões em dívidas judiciais, algumas vencidas há quase dez anos. Cálculos preliminares da Secretaria da Fazenda indicam que o piso de 3% das despesas definido na PEC em tramitação no Senado poderia significar, no limite, um desembolso extra de R$ 500 milhões por ano. Um volume adicional de gastos desta ordem aumentaria em pelo menos 25% o déficit orçamentário projetado para 2007. A secretaria não informou quanto vem pagando, mensalmente, de precatórios.
Para Pernambuco, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) não deve aliviar a carga de pagamentos de precatórios, pelo menos no curto prazo. Neste ano o Estado deve gastar cerca de R$ 80 milhões para quitar todos os títulos vencidos. O valor equivale a menos de 1% das despesas primárias líquidas de Pernambuco - abaixo do valor estipulado como mínimo para o pagamento dos precatórios pela PEC.
"Não haverá muito efeito prático", afirma o procurador-geral do Estado, Tadeu Alencar. Para ele, entretanto, seria interessante encontrar caminhos que aliviassem os cofres de Pernambuco.
Nem todos enxergam a PEC da mesma forma. Para o Sindicato dos Servidores Públicos do Estado de Pernambuco (Sindserpe), a proposta deveria ir por outro caminho. "Ao estabelecer valores, a medida dá margem a muito atraso dos pagamentos", avalia Renílson Oliveira, coordenador-geral do Sindserpe. Segundo ele, o correto seria cumprir os prazos hoje existentes para os precatórios.
A situação da Prefeitura do Recife é bastante semelhante à do Estado. De acordo com informações do município, o estoque de precatórios deste ano é de R$ 5 milhões, que serão pagos integralmente.
Há quatro anos, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) baiano conseguiu instituir o juízo de conciliação nos processos trabalhistas do Estado, o que acelerou o pagamento de precatórios já existentes e ajudou a evitar a emissão de novos. "Isso ocorre para as chamadas requisições de pequeno valor, de casos de até 60 salários mínimos. E a maioria é inferior a esse valor", disse Nei Viana, conselheiro da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que atua em casos trabalhistas que envolvem precatórios no Estado.
Segundo o TRT, entre 2003, quando o juízo de conciliação foi instituído, e o ano passado, mais de 12 mil precatórios foram conciliados. Em valores, os pagamentos somaram R$ 440 milhões. Menos de quatro mil precatórios estão agora na fila da conciliação.
O Tribunal de Contas do Estado ainda não concluiu a análise das contas do governo baiano de 2006. Na última análise, de maio passado e referente aos números de 2005, o volume total de precatórios registrado no passivo permanente da Bahia era de R$ 640,4 milhões. A Secretaria da Fazenda do Estado não deu resposta aos pedidos de entrevista feitos pelo Valor.