Título: Trabalho infantil e violência no campo crescem no país
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2007, Brasil, p. A4

O Brasil avançou pouco na questão de direitos humanos nos últimos anos. Duas áreas que sempre foram bandeiras do Partido dos Trabalhadores (PT) tiveram desempenho especialmente ruim. A porcentagem de crianças que trabalham pulou de 6,6% em 2000 para 10,3% em 2005. Os conflitos no campo também se intensificaram. Entre 2002 e 2005, 311 pessoas morreram. Só em 2005 foram 102 mortos no campo, um crescimento de 45,7% sobre o ano anterior.

"As políticas setoriais dos governos federal e estaduais, que se iniciaram nos anos 90 e antes incorporavam preocupações com direitos humanos ou deixaram de incorporá-los ou foram descontinuadas", avalia Paulo de Mesquita Neto, coordenador do 3º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil, elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP).

A Secretaria Especial de Direitos Humanos contesta os dados sobre mortes no campo. Os números da Ouvidoria Agrária Nacional mostram que foram 92 mortes entre 2002 e 2005 e não 311. Nos dados referentes ao Pará, que, segundo o relatório da USP concentrou um terço das mortes (111), o Tribunal de Justiça desse Estado contabiliza 30 mortes no período.

Mesquita explica que a piora nos indicadores relativos aos direitos humanos ocorreu de forma generalizada pelo país, o que evidencia que ela não está relacionada apenas a uma determinada gestão ou tendência política. "O desrespeito às leis, ao direito de liberdade, à segurança, à vida e ao acesso à justiça estão sendo ignorados", ressalta.

Entre 2000 e 2004, o número de homicídios por 100 mil pessoas passou de 26,71 para 27,01, uma alta de 1,10%. Ao mesmo tempo, a população encarcerada aumentou. Em 2005, entre 100 mil habitantes do país, 198,3 estavam presos. Em 2000, esse número era de 142,1 por 100 mil pessoas, o que significa alta de 39,5%.

Os maiores crescimentos de assassinatos foram observados nas regiões Sul (33,6%), Norte (21,8%) e Nordeste (19,9%). Segundo o pesquisador da USP, as pressões pelo desenvolvimento econômico, especialmente na áreas Norte e Centro-Oeste do país, fazem com que o governo incentive a exploração de atividades econômicas, sem dar atenção às questão sociais envolvidas nessa expansão de fronteiras.

O resultado, no lado ambiental, é o desmatamento. Na questão humana e social, esse crescimento sem planejamento ou apoio leva a invasões de terras, de reservas indígenas e de reservas ambientais, por exemplo. "Isso já causa uma série de conflitos", afirma Mesquita. Sem contar as disputas que acontecem normalmente quando novas pessoas chegam em áreas urbanas e rurais já ocupadas anteriormente.

Em contrapartida, o Sudeste teve o melhor desempenho, com queda de 12,2% no número de assassinatos. A melhora foi influenciada pelo Estado de São Paulo, onde a quantidade de homicídios recuou 12,2% no período. Ainda assim, em termos absolutos, o Estado paulista tem o maior número de homicídios por cada 100 mil habitantes: 32,07, acima da média nacional, que estava em 27,01 em 2004.

Mas, na avaliação de Mesquita, apesar dessa redução na criminalidade, houve uma política equivocada de encarceramento em São Paulo. No curto prazo, a quantidade de presos diminuiu. Em uma visão de prazo mais longo, contudo, houve um forte crescimento da população presa, "feita sem respeito aos direitos dos presidiários", diz.

A redução do número de homicídios ocorreu paralelamente à uma política penitenciária que agravou os problemas carcerários e levou à articulação de presos dentro e fora de presídios. O ápice desse movimento ficou evidente no ano passado, com os ataques realizados pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC.

Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, admite que os resultados trazidos pelo relatório levam as autoridades públicas a reconhecerem a necessidade de novas políticas e novos esforços orçamentários para assegurar o cumprimento dos direitos humanos no país. "Precisamos unir o governo federal, estadual, o Legislativo, o Executivo e, principalmente, o Judiciário nessa questão", diz Vanucchi. Para ele, um dos motivos principais para o crescimento da criminalidade e do desrespeito a direitos básicos do ser humano é a impunidade.

A respeito do número maior de crianças trabalhando, Vanucchi explica que esse movimento pode estar ligado ao grande salto observado na atividade de agricultura familiar. "Mas nada justifica que crianças estejam fora da escola", ressalta. Ele diz que no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) já está em curso um processo de ampliação do Bolsa Família e a integração desse cadastro com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Segundo dados do relatório, o maior avanço do trabalho infantil ocorreu no Nordeste, e passou a atingir 15,2% das crianças em 2004 contra 8,8% cinco anos antes. E é justamente nessa região em que está a maioria das famílias que recebe o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal que tem como contrapartida a freqüência das crianças na escola. "Temos que derrubar esses números no mais curto espaço de tempo", enfatiza o ministro.