Título: Setor privado impulsiona recuperação da economia
Autor: Lamucci, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2013, Internacional, p. A10

A economia americana dá demonstrações de força nos últimos meses, puxada pelo bom desempenho do setor privado. A recuperação não é exuberante, mas números sobre criação de empregos, indicadores de atividade na indústria e nos serviços e os dados sobre o mercado imobiliário apontam para um crescimento mais firme, num cenário em que as empresas exibem uma situação financeira saudável, com o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) inundando o mercado de dinheiro para manter baixos os juros de longo prazo.

Nos próximos meses, contudo, a atividade deve perder parte do fôlego, devido ao efeito dos cortes automáticos de gastos públicos de US$ 85,3 bilhões, que entraram em vigor no começo de março, e do aumento de impostos definido na virada do ano, nas negociações que evitaram o chamado abismo fiscal. Além da elevação dos tributos para os mais ricos, houve uma alta de 2 pontos percentuais do imposto sobre a folha de pagamento para os trabalhadores.

Os indicadores recentes mostram uma atividade econômica em aceleração. Em fevereiro, por exemplo, foram criados 236 mil empregos, bem acima dos 119 mil de janeiro e mais que a média de 187 mil dos últimos seis meses, como nota Sal Guatieri, economista-sênior da BMO Capital Markets. No setor privado, houve a criação de 246 mil postos de trabalho, enquanto no setor público foram cortadas 10 mil vagas.

"O relatório de emprego de fevereiro foi sólido. Apesar do aperto fiscal, a economia ainda não dá sinais de desaceleração", diz Ethan Harris, economista para a América do Norte e um dos chefes da equipe global do Bank of America (BofA) Merrill Lynch. Para ele, há melhoras significativas em setores que apanharam na crise de 2007 e 2008, como o bancário e o imobiliário, o que dá gás à recuperação.

O BofA Merrill Lynch espera aumento de 8% nos preços de imóveis em 2013, uma elevação que deverá se seguir à alta de 7,3% registrada no ano passado pelo índice S&P Case-Shiller. Em dezembro (o dado mais recente até o momento), o indicador subiu 6,8% frente ao mesmo período do ano anterior.

A situação financeira mais sólida das empresas americanas, por sua vez, aponta para uma aceleração do investimento em 2013, diz, em relatório, o economista Marcelo Cirne de Toledo, do Bradesco. Ele chama a atenção para o investimento empresarial em equipamentos e softwares. "Após queda de 20% na crise, o investimento nesses itens se recuperou e já se encontra 4% acima do nível pré-crise". As encomendas de bens de capital indicam a continuidade desse crescimento, segundo Toledo.

Em fevereiro, o índice de atividade do setor manufatureiro, divulgado pelo Instituto de Gestão de Oferta (ISM), ficou em 54,2 pontos, o nível mais alto em 20 meses. A situação também vai bem no setor de serviços. O indicador do ISM para o segmento atingiu 56 pontos em fevereiro - acima de 50 significa expansão da atividade.

Depois de três meses de queda, a confiança do consumidor cresceu em fevereiro, um movimento que se deve em parte ao mercado de trabalho mais forte, diz Guatieri. Outro fator que deixa os americanos mais confiantes é a trajetória de alta da bolsa. O índice Dow Jones, por exemplo, fechou na sexta-feira mais uma vez em nível recorde. Uma fatia significativa da população tem investido em ações.

A política do Fed ajuda nesse movimento, diz Harris, que elogia a política monetária ultraexpansionista adotada pelo BC americano, num momento em que o desemprego ainda é elevado. Em fevereiro, por exemplo, a taxa de desocupação ficou em 7,7%, abaixo dos 7,9% de janeiro e a mais baixa desde dezembro de 2008. O nível, porém, ainda é alto, e parte da melhora se deveu ao fato de que menos pessoas procuraram emprego.

Para tentar sustentar a recuperação, o Fed tem promovido uma política agressiva de compra de hipotecas e títulos públicos, mantendo baixas as taxas de longo prazo. Com muito dinheiro em circulação e os juros básicos no chão, há busca por opções de investimento que ofereçam retornos mais elevados, como ações. Isso também contribui para sustentar a recuperação do mercado imobiliário.

"Eles [os diretores do Fed] são os únicos adultos na cidade", diz Harris, numa referência ao comportamento dos políticos democratas e republicanos, que não conseguiram evitar um aperto fiscal no curto prazo - como os cortes automáticos de gastos de US$ 85,3 bilhões - e nem desenhar uma solução que leve ao equilíbrio das contas públicas num período mais longo.

A combinação de impostos mais altos e redução de despesas vai provocar uma desaceleração da atividade nos próximos meses, afirma Harris. Para ele, os cortes automáticos de gastos vão levar a uma criação de empregos muito mais fraca no segundo trimestre. No setor público, funcionários vão ser dispensados alguns dias por mês, e em algum momento deverá haver corte de vagas. Harris, porém, diz que não haverá recessão, estimando um crescimento de 1,5% neste ano - em 2012, a expansão foi de 2,2%. Guatieri é um pouco mais otimista, projetando uma alta de 2,2% em 2013.