Título: Traumas revividos
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2010, Brasil, p. 7

Após quase três anos de trabalhos, CPI que investigou os abusos sexuais a crianças e adolescentes encerrou os trabalhos com 200 depoimentos colhidos. Especialista critica a quantidade de jovens obrigados a relembrar, no Congresso, os eventos

A mesma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que cobrou do Judiciário e do Ministério Público o fim da revitimização de crianças e adolescentes abusados sexualmente fez com que 200 meninos e meninas revivessem o drama do abuso e da exploração sexual. Em menos de três anos, integrantes da CPI da Pedofilia ¿ entre eles senadores, como o presidente da comissão, Magno Malta (PR-ES) ¿ coletaram depoimentos de 200 vítimas, como consta no relatório final apresentado na última quinta-feira.

A cada cinco dias, desde março de 2008, uma criança ou adolescente foi submetido a depoimento na CPI, instalada para apurar a dimensão do abuso e da exploração sexual infantil no país. A grande maioria dessas vítimas já havia sido interrogada em inquéritos policiais ou processos na Justiça, uma vez que a CPI se baseou principalmente em casos já descobertos e investigados.

O relator da CPI, senador Demostenes Torres (DEM-GO), sustenta no texto final que as abordagens às 200 vítimas de pedofilia se basearam no método do depoimento sem dano, em que técnicas são utilizadas para evitar que as crianças e adolescentes não passem por um processo de revitimização. O princípio básico desse método é não expor as vítimas a reiterados depoimentos, muito menos a agentes sem conhecimento técnico suficiente para evitar a reincidência do drama vivido. O próprio relatório final da CPI, porém, traz transcrições de depoimentos de crianças e adolescentes aos senadores Magno Malta e Virgínio de Carvalho (PSC-SE), suplente da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE).

Num depoimento coletado em detalhes em Vitória (ES), base política de Magno Malta, os senadores interrogaram uma adolescente de 13 anos, supostamente abusada pelo pai. Somente a transcrição desse depoimento e o de outra irmã com suspeita de ter sofrido abusos, de 9 anos de idade, consome 38 páginas do relatório final da CPI.

Tratamento

O Correio consultou o juiz que inovou no tratamento a vítimas de abuso sexual ao implantar o método do depoimento sem dano, há oito anos, na vara de infância onde atua. Para o juiz José Antônio Daltoé Cézar, titular da 2ª Vara da Infância de Porto Alegre (RS), a iniciativa da CPI da Pedofilia de ouvir 200 crianças e adolescentes vítimas de agressão sexual foi ¿absurda¿. ¿Eles não precisavam ter ouvido 200 vítimas. Se fossem meia dúzia ou 10, tudo bem. Os senadores podiam estar bem intencionados, mas não estavam preparados para isso¿, diz o magistrado. ¿Fazer perguntas diretas, mexer na intimidade de crianças e adolescentes, isso não deve ser feito. Houve excessos da CPI.¿ José Antônio foi ouvido no âmbito da CPI justamente para falar sobre a instituição do depoimento sem dano nas varas de infância de Porto Alegre.

"Eles não precisavam ter ouvido 200 vítimas. Se fossem meia dúzia ou 10, tudo bem. Os senadores podiam estar bem intencionados, mas não estavam preparados para isso¿

José Antônio Daltoé Cézar, juiz titular da 2ª Vara da Infância de Porto Alegre