Título: O conservadorismo do BC e as orientações de Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2007, Opinião, p. A18

Durante os últimos quatro anos - e nos próximos quatro não será diferente - membros do governo Lula criticaram o Banco Central com tanta insistência que poderia parecer que a autoridade monetária é um corpo estranho em uma administração heterodoxa, ou até mesmo um fanático inimigo do crescimento. Membros da equipe econômica e congressistas do Partido dos Trabalhadores, para ficar apenas no "fogo amigo", não conseguem ou não querem conter seus cacoetes de formação, que vira e mexe vêm a público. Neles transparecem unidas a condescendência em relação à inflação e a leviandade do crescimento a qualquer preço. A última estocada do ministro da Fazenda, Guido Mantega, no BC - a de que o centro da meta da inflação era para ser perseguido - mostra uma ponta da mesma desconfiança e animosidade que se tornaram proverbiais em vários escalões do governo e cercanias do Planalto.

Por mais conservador que seja o Banco Central - e ele é bastante - em nenhum momento o presidente Lula, os ministros da Fazenda e do Planejamento, que têm maioria no Conselho Monetário Nacional, responsável por fixar as metas de inflação, tomaram a decisão de tornar mais flexível a política monetária que supostamente lhes desagradava, aumentando a meta ou alongando o período em ela deveria ser perseguida, por exemplo. O capítulo Banco Central é ainda mais intrigante, pois tornou-se uma rotina pronunciamentos de fontes "confiáveis" do Planalto, às vésperas das reuniões do Comitê de Política Monetária, dando conta da insatisfação ou mesmo indignação do presidente Lula com o conservadorismo do BC ou com o ritmo excessivamente lento da queda dos juros. O governo tem o poder para mudar a orientação do BC, mas nunca o utilizou.

Isso não ocorreu porque a política de juros altos foi uma consequência da decisão direta do presidente da República. Pode parecer óbvio, mas não é. O recém-lançado livro do ex-ministro Antonio Palocci, "Sobre formigas e cigarras" é revelador neste aspecto. Em 2003, recém-empossado e com a inflação correndo na casa dos 17% ao ano, após a explosão do câmbio no período eleitoral, Lula teve de se ver diante da obrigação de definir as metas de inflação para 2005. É importante levar em consideração que a meta para 2003 era de 3,25% e depois acabou sendo ajustada para 8,5% - a inflação pelo IPCA fechou o ano em 9,3%. Lula, ao contrário do consenso em torno de 5% a que havia chegado a equipe econômica, bateu o pé em 4%. "De jeito nenhum. Cinco é muito, Palocci. Não dá para dizer que eu quero 5% de inflação para daqui a dois anos. Eu quero 4% e não mais".

Lula foi lembrado das consequências de uma meta apertada e respondeu: "Eu sei que isso vai significar mais juros. Isto está claro para mim". Mais curiosa foi a intervenção do arquiinimigo dos juros altos, o loquaz vice-presidente José Alencar, que elevou o tom de voz e disse que por ele a inflação seria de zero. A meta para 2005 foi de 4,5%, por insistência da equipe econômica.

A inflação de 2005 foi de 5,69% e o Banco Central só resolveu iniciar o afrouxamento da política econômica em setembro, em doses homeopáticas de 0,5 ponto percentual. No ano da eleição presidencial, os preços evoluíram apenas 3,14% e não há dúvidas de que Lula colheu os benefícios da inflação na lona que lhe foi propiciados pelos conservadores do BC. Assim, não é improvável que toda a coreografia montada para dar um tom de suspense à permanência de Meireles à frente do BC representasse apenas a vã tentativa de desafetos do círculo do presidente e da equipe econômica de mudar a a presidência do BC. Oficialmente Meireles não está confirmado até agora, mas é possível que tenha sido um dos primeiros a ter a certeza de sua permanência no novo governo. Ele entregou mais do que o presidente lhe pediu.

Lula estava certo em exigir uma meta baixa para a inflação e foi o responsável pela decisão. Por isso, em público, nunca deesautorizou o BC. Pode ter se arrependido depois, o que não lhe tira a responsabilidade. Lula governa sem apartar os contrários, como aponta Palocci em seu livro, e é isso que dá a impressão de que o descontentamento com a turma do Banco Central tem o aval ou até mesmo o incentivo do presidente. Não tem, ou pelo menos não deveria ter.