Título: Incentivo fiscal atrai chineses ao Brasil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Brasil, p. A3

Há pouco menos de um mês, um empresário se reuniu com o então ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan para discutir os problemas do seu setor. Na pauta do encontro, os temas de sempre: a pesada carga tributária, a valorização excessiva do câmbio e o aumento das importações. Fazia um dia quente em Brasília e um dos assessores sugeriu ligar o ar-condicionado da sala de reunião do ministério. Para surpresa do empresário e um certo constrangimento dos presentes, a marca do aparelho era Gree, a maior fabricante de ar-condicionado da China.

O aparelho que refrescou os executivos vestidos com ternos pesados para o calor desértico da capital federal não veio do outro lado do mundo. Foi fabricado, ou pelo menos montado, em Manaus, no norte do país. Com 13 milhões de aparelhos de ar-condicionado vendidos ao redor do planeta e um faturamento de US$ 2 bilhões, a Gree decidiu fabricar uma pequena parcela de sua linha de produtos no Brasil. Em junho de 2001, a empresa investiu US$ 20 milhões em uma unidade em Manaus - a primeira fora do território chinês.

A Gree é um exemplo dos investimentos chineses que começam lentamente a chegar ao Brasil. São aportes de valores reduzidos, principalmente em eletroetrônica, telecomunicações e tecnologia - áreas nas quais os chineses detêm importante know-how. É assim que consumidores e empresários começam a incorporar alguns nomes estranhos em seu vocabulário: Gree (ar-condicionado), AOC (monitores), Huawei (telecomunicações), ZTE (telecomunicações) Hao Bao (motocicletas), SVA (eletroeletrônico), entre outros.

Segundo o Ministério do Comércio da China, no final de 2005 o país havia estabelecido 89 joint ventures no Brasil com investimentos de US$ 151,5 milhões. As empresas brasileiras, em contrapartida, celebram número maior de parcerias, 384, mas investiram um pouco menos, US$ 144,3 milhões. São números modestos, muito distantes dos quase US$ 38 bilhões aplicados pelos Estados Unidos no Brasil até 2004, conforme o Banco Central.

Os investimentos chineses estão concentrados em bens de consumo, onde é possível utilizar em larga escala os componentes baratos importados da Ásia. E produzir no Brasil significa escapar dos pesados impostos de importação para trazer o produto pronto: 16% para celulares, 18% para ar-condicionado, 16% para equipamentos de telecomunicações. "As empresas chinesas querem expandir as atividades no mercado internacional. É oneroso importar o produto acabado. Daí o processo de montagem no Brasil", diz Paul Liu, presidente da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico.

Outro motivo para as empresas chinesas desses setores se instalarem no país é ganhar a confiança do consumidor, garantindo assistência técnica de qualidade. Depois do trauma do início do Plano Real, o brasileiro tem receio de investir seu dinheiro em um produto de marca desconhecida. Mesmo em seu país de origem, as companhias chinesas ainda estão muito focadas em produzir para terceiros e a maior ambição hoje é consolidar sua marca no mercado.

"Se fosse para competir apenas por preço, não teríamos fabricação em Manaus", diz Yue Haiping, diretor-geral da Gree no país. "Nossa pretensão é criar raízes". O jovem executivo chinês está há cinco anos no Brasil e ainda têm dificuldades para falar português. Ele foi escolhido pela empresa - na qual o governo da China detém uma participação e o restante do capital está disseminado na bolsa de valores - para instalar a fábrica, depois que a Gree avaliou que o mercado brasileiro estava maduro o suficiente para o investimento.

A estratégia da companhia era aumentar o número de produtos feitos no Brasil e utilizar a fábrica para exportar para a América Latina. Mas isso ainda não foi possível. "Por enquanto não estamos exportando do Brasil, porque vale mais a pena trazer direto da Ásia. Também aumentamos a importação de componentes por conta do câmbio. Nossos concorrentes fizeram o mesmo", diz Yue, ecoando as reclamações contra o câmbio valorizado dos executivos brasileiros.

As empresas chinesas, que começaram a chegar ao país nos últimos cinco anos, escolheram um bom momento. Por conta da expansão de crédito provocada pelo governo, as compras de bens de consumo duráveis se expandiram muito no Brasil. O grupo chinês TPV, dono da marca AOC, vai lançar televisores no mercado brasileiro até o fim do ano, aproveitando a instalação do sistema de TV digital do país. A empresa, originária de Taiwan, fabrica apenas monitores no país. Em 2007, a AOC vai produzir 1,8 milhão de monitores de LCD no Brasil.

De acordo com Christian Haak, gerente de marketing da AOC do Brasil, a empresa chegou no país em 1997, mas terceirizava a produção. Só optou por investir US$ 30 milhões em uma fábrica em Manaus em 2004. Além de várias unidades na China, a empresa tem fábricas na Polônia e Índia. "Viemos para o Brasil pelos incentivos. É mais vantajoso do que trazer o produto pronto da China", diz Haak. A AOC hoje importa as telas, que significam quase 75% do valor do produto, da China e agrega o restante no Brasil, que inclui monitores, caixas, acabamento e mão-de-obra.

A esmagadora maioria das empresas chinesas de bens de consumo que se instala no Brasil opta pelo caminho que já foi trilhado por americanos, europeus, japoneses e coreanos: a Zona Franca de Manaus. O pacote de benefícios fiscais é realmente polpudo, principalmente na compra de insumos vindos do exterior: isenção de imposto de importação, isenção de imposto sobre produtos industrializados (IPI), isenção do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), suspensão de PIS/Cofins, redução de 75% do Imposto de Renda sobre o lucro até 2013. O município ainda brinda a empresa com isenção de IPTU e taxas de serviços.

"Os incentivos fiscais de Manaus são muito atraentes", reconhece Judith Fan, responsável administrativa geral da Hao Bao, empresa chinesa de motocicletas que pretende instalar uma fábrica na região. A companhia já alugou um galpão e está fazendo os registros necessários nos órgãos competentes. Segundo Fan, que é chinesa mas vive no Brasil há bastante tempo e fala português, o plano é começar a fabricação em 2007. Na primeira fase, a empresa produzirá motocicletas populares de 150 cilindradas. "Esse mercado está crescendo muito no Brasil", avalia Fan. Ela não revela o valor do investimento e informa que a fábrica deve gerar 70 empregos diretos.

"No curtíssimo prazo, o mais novo ciclo de investimentos na região é dos chineses", diz Maurício Loureiro, presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam). Ele explica que os chineses elegeram as áreas de eletrônicos e monitores como prioritárias, já que possuem abundância de componentes na matriz. Entre as empresas ativas na região com participação de investimento estrangeiro, a origem chinesa do capital responde por apenas 1,27% do total, muito atrás dos 38% dos japoneses e dos 18% dos americanos, segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus.

Os empresários nacionais enxergam a chegada dos chineses com tranqüilidade e preferem que haja produção local do que apenas importação vinda da China. "Existem incentivos interessantes e um mercado atraente para essas empresas se instalarem no Brasil. Dessa maneira, essas companhias vão gerar empregos no país", diz Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).