Título: Discreto e enigmático, Bergoglio tem hábitos austeros
Autor: Meichtry, Stacy; Luhnow, David; Parks, Ken
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2013, Internacional, p. A15

O primeiro papa latino-americano pediu aos fiéis que lotavam a praça São Pedro, em Roma, que, por alguns segundos, orassem em silêncio por ele. Antes havia dito que os cardeais foram encontrar um papa "quase no fim do mundo". O argentino Jorge Mario Bergoglio indicava que quer ser o papa dos pobres ao escolher seu nome entre o mais humilde dos franciscanos e sagrar-se papa Francisco -, uma homenagem que pode ter sido feita tanto a São Francisco de Assis como ao jesuíta São Francisco Xavier. Aos 76 anos, o primeiro jesuíta a virar papa, Bergoglio não tem afinidade com correntes progressistas da Igreja. É contra o aborto e o casamento gay. Parece tão discreto quanto enigmático.

Não há biografia que não cite o fato de morar em um pequeno apartamento, cozinhar a própria comida e ter hábitos austeros. Dizem que era comum vê-lo rezando missas para catadores de lixo. Até chegar a Roma há poucos dias, percorria de metrô o caminho à catedral de Buenos Aires - traço de humildade para seus seguidores e de populismo para os críticos.

A imprensa também reproduz uma fase nebulosa de sua vida. Entre 1973 e 1979, quando era o chefe dos jesuítas na Argentina, envolveu-se em um episódio não esclarecido. Bergoglio foi acusado de ter entregue dois sacerdotes de sua Ordem, que trabalhavam em bairros pobres de Buenos Aires, aos militares. Organismos de defesa dos direitos humanos o acusam de ter delatado os dois missionários como guerrilheiros. Ele se defende dizendo que, ao contrário, procurou convencer o ditador Jorge Videla a libertar os colegas, o que acabou acontecendo.

Em 2009, Bergoglio, que vinha se mantendo distante de qualquer protagonismo político, fez um discurso duro criticando o governo e a sociedade argentinos pela incapacidade de impedir o crescimento da pobreza no país. Entendia a situação como "imoral, injusta e ilegítima", noticiou o espanhol "El País". Costumava fazer sermões duros contra a corrupção. "Vivemos na parte mais desigual do mundo, que tem crescido muito, mas que pouco tem feito para reduzir a miséria", disse durante encontro do episcopado latino-americano em 2007. Sua relação com os Kirchner nunca foi tranquila.

Em 2010, quando o país discutia se aprovava o casamento gay, Bergoglio disse que se tratava de uma "guerra de Deus" contra uma "movida pelo diabo". Mas ele não representa a ala mais conservadora da Igreja. Quando o alemão Joseph Ratzinger tornou-se o papa Bento XVI, o argentino era o outro forte candidato. Representava a alternativa mais moderada.

Bergoglio, um dos cinco filhos do ferroviário Mario e da dona de casa Regina, quis ser químico e teve uma namorada até dar uma guinada na vida e optar pelo sacerdócio. Tinha 21 anos. Estudou humanidades no Chile, filosofia em Buenos Aires e teologia na Alemanha. Ter virado o 266º papa "foi uma surpresa para todos nós", reconheceu o cônego Antônio Aparecido Pereira, porta-voz da Arquidiocese de São Paulo. "A Igreja não precisa de um papa italiano", disse o padre.