Título: Argentinos celebram com buzinaço
Autor: Meichtry, Stacy; Luhnow, David; Parks, Ken
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2013, Internacional, p. A15

Um buzinaço começou subitamente por volta das quatro da tarde no centro de Buenos Aires, enquanto nas calçadas, em pequenas rodas ou com o celular em punho, pedestres gritavam "Bergoglio!", sem esconder o assombro com a notícia da escolha de um argentino como o primeiro papa não europeu em 1.300 anos de catolicismo.

Nos bares e cafés, rapidamente pessoas se acotovelavam para assistir às primeiras palavras do cardeal de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, como o papa Francisco. O uso de telefones celulares por um momento se tornou complicado: o excesso de demanda fez com que os serviços de operadoras registrassem instabilidade nos momentos seguintes ao anúncio.

A questão política foi espontaneamente mencionada em vários instantes. "Este cardeal antes de acordar fica com o corpo cheio de pelos. É um gorila", comentou um repórter de TV antes de entrar no ar para iniciar a cobertura. "Gorila" é uma expressão tradicionalmente usada na Argentina para se referir a pessoas de direita. "A presidente nunca aceitou falar com ele. Quem sabe agora diminua sua soberba", comentou um taxista, com dois terços no retrovisor e uma imagem da Virgem de Luján, padroeira do país, no painel.

"Tem uma senhora aqui perto que deve estar desapontada", exclamou com ironia uma mulher que acompanhava a transmissão pela televisão em um café nas imediações da Casa Rosada.

A senhora em questão era a presidente Cristina Kirchner. Rompida com o cardeal há muitos anos, Cristina não deixou transparecer a distância que marca seu relacionamento com Bergoglio: enviou ainda ontem uma carta formal ao Vaticano parabenizando o novo papa e de noite, durante uma cerimônia, afirmou: "Desejo ao novo papa toda a sorte em seu trabalho pastoral e que leve uma mensagem de diálogo a todas as potências do mundo".

Na internet, até kirchneristas empedernidos se renderam ao ufanismo azul e branco.

"A eleição de Francisco é um exemplo do que nós argentinos somos capazes de levar ao mundo. Ao grande povo da Argentina, saúde!", afirmou em sua conta na rede Twitter o empresário de comunicação e rabino Sergio Szpolski, um aliado incondicional da presidente.

Na catedral de Buenos Aires, a cerca de cem metros da Casa Rosada, uma multidão se formou poucos minutos depois de anunciada a escolha. Batiam palmas e gritavam "Viva o papa!", "Viva Francisco!", "Viva a pátria!".

"Este é um papa muito simples, uma pessoa que frequenta as ruas. Ele será para a Argentina um chamado à unidade e à humildade", comentou, comovida, Ana María Perez, que conviveu com Bergoglio como vice-presidente da Ação Católica de Buenos Aires, enquanto organizava grupos de devotos que se aglomeravam para rezar o rosário.

"Este é um homem que não tem medo de ninguém", frisou o vigário geral da Catedral, José San Martín, paramentado para rezar a primeira missa em homenagem ao novo papa.

Na janela dos apartamentos de bairros abastados de Buenos Aires, moradores colocavam, lado a lado, bandeiras da Argentina e do Vaticano.