Título: Ameaça do clima impõe generalização de metas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Opinião, p. A12

O futuro de privações, anunciado ao fim da reunião de milhares de cientistas reunidos em Bruxelas no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), está bem mais perto do que se imaginava. Após o relatório introdutório apresentado em fevereiro, o segundo documento, divulgado em 6 de abril, desce a detalhes do que ocorrerá a partir de agora. As constatações são graves, por seus efeitos sociais, econômicos e políticos. A população dos países mais pobres, que mal sobrevivem a um cotidiano infernal, será a mais prejudicada pelos efeitos do aquecimento global. As catástrofes não ocorrerão nas próximas gerações, mas agora, já na próxima década.

Entre 2015 e 2020, entre 75 milhões e 250 milhões de africanos ficarão sem ter o que beber - e terão de reduzir sua ínfima ração de comida. A elevação da temperatura eliminará muito da escassa água potável e ceifará até metade da produção agrícola do continente. A África está no limiar de uma situação insustentável - bastará o aquecimento de 1 grau centígrado do planeta para que tenebrosas projeções tornem-se uma realidade mortal.

Não há ganhadores nesta história. A posição dos países desenvolvidos, os maiores poluidores históricos, é menos desvantajosa que os demais. A partir de uma elevação de 1 grau a 2 graus, a produção agrícola nos países em alta latitude deverá crescer, enquanto que declinará a dos países em baixa latitude. "É exatamente o que nós não gostaríamos que acontecesse, o aquecimento tornar um mundo desigual ainda mais desigual", resumiu Martin Perry, co-presidente do grupo de trabalho que apresentou o relatório.

As mudanças climáticas não poderão ser detidas, apenas abrandadas (mitigadas, no linguajar dos IPCC), se uma ação igualmente global for executada com paciência, método e determinação. O protocolo de Kyoto já está defasado, suas metas se revelaram acanhadas demais para a magnitude do problema. O efeito principal dos relatórios é impulsionar os governos a agirem, individual e coletivamente. Há sinais de que já conseguiu atingir parte de seus objetivos.

A União Européia lançou um plano ambicioso de corte de 20% das emissões, com possibilidade de aumentar a meta se os demais países a acompanharem. O Reino Unido apresentou um drástico programa de cortes. Mas o ativismo europeu não encontra eco no maior poluidor do planeta, os EUA, que não aderiram a Kyoto. Ainda assim, os governos estaduais têm tomado iniciativas importantes e até a Suprema Corte americana colocou o governo Bush diante de suas responsabilidades, ao decidir que a EPA, a agência de proteção ao meio-ambiente, tem poderes para estabelecer limites de emissões.

A iniciativa global em discussão tem como norte 2013, com a continuação de Kyoto. As intermináveis discussões na reta do final do IPCC, quando entraram em cena os políticos, foi uma sessão prévia da batalha que se travará até lá. EUA, Rússia, China (três dos dez maiores poluidores) e Arábia Saudita conseguiram amenizar um vocabulário realista sobre a gravidade dos desafios colocados - suprimindo palavras, querem suprimir ações relevantes a que elas deveriam levar.

O Brasil tende a não se submeter a metas de restrição. O argumento é o mesmo: os responsáveis históricos são os países desenvolvidos. Há um ministério seriamente envolvido na busca de medidas para deter o desmatamento na Amazônia (que vem caindo) e a matriz energética brasileira tem uma das maiores proporções de fontes renováveis. A ministra Marina Silva se empenha para obter diagnósticos e um cronograma de ações e vários deles estão a caminho. Tudo isso tem seu mérito.

Mas, se o governo confia na sua capacidade de pôr em prática planos que se revelem bem sucedidos, não há motivo para que eles não sejam incluídos em uma meta de redução negociada dentro de um acordo global. Por melhores que sejam os argumentos do Brasil para ficar de fora, eles não serão suficientemente distintos dos da China ou da Índia. Há que discutir métodos e maneiras - uma tarefa de enorme complexidade política. Porém, pelas situações-limite apontadas pelo IPCC, o Brasil, se ficar fora, dará um sinal errado para todos os que não querem se ver amarrados a uma ação internacional mandatória e eficaz.