Título: Crescer com sócios
Autor: Szajman, Abram
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Opinião, p. A12

A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrou 2006 com alta acumulada de 32,9%, o que mais uma vez a deixou na confortável posição de aplicação mais rentável do ano. O volume total transacionado apresentou crescimento de 49,3% na comparação com 2005, atingindo R$ 598,9 bilhões, o maior já registrado. Essa nova marca elevou a média diária negociada para R$ 2,4 bilhões, 51,1% a mais do que os R$ 1,6 bilhão de 2005. O número de negócios realizado cresceu 38,9%, atingindo 21,5 milhões no ano, ante 15,5 milhões em 2005.

Quem ainda associa o pregão da bolsa a operadores gritando e gesticulando, pendurados em telefones e imersos em oceanos de papel picado, se surpreenderá com o desempenho do home broker. Esse sistema de negociação, pelo qual os investidores enviam ordens diretamente ao pregão eletrônico, atingiu, ao longo do ano que passou, um crescimento de 82,08% na média mensal de volume movimentado, passando de R$ 3,3 bilhões para R$ 6 bilhões, e de 78,71% no número de investidores, que saltou de 34.843 para 62.266. Foram criados 420 novos clubes de investimentos, que totalizaram 1.630 grupos, com patrimônio superior a R$ 9 bilhões, pertencente a 130 mil cotistas.

Esses números revelam um crescimento atrelado ao avanço tecnológico e à confiança que inspira o marco regulatório do setor, dimensionado para proteger o acionista minoritário a partir de rigorosa fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), inclusive com a imposição de multas aos poucos negócios que escapam à regra geral da transparência. Mas eles também nos recordam o quanto ainda é pequeno o mercado brasileiro de ações, diante de seu imenso potencial: apenas 99 das 896 empresas do setor produtivo registradas na CVM continuam presentes em bolsa. Nos Estados Unidos, 35% das pessoas físicas investem em ações, contra apenas 15% entre nós.

Nos países onde o capitalismo funciona com razoável eficiência e as disparidades na distribuição de renda não são tão acentuadas como no Brasil, o mercado de capitais estimula os investimentos produtivos, não apenas dos grandes, mas também dos pequenos investidores. Com isso, as Bolsas de Valores, sempre sensíveis aos fatos políticos nacionais e internacionais, transformam-se em organismos mantenedores do equilíbrio macroeconômico, além de se erigirem em poderoso anteparo contra aventuras populistas ou "cavalos de pau" na economia. Assim, se os eleitores votam a cada quatro anos, os investidores votam todos os dias, expressando com a compra ou a venda de ações sua confiança ou descrédito nas empresas e nos atos do governo, razão pela qual as mágicas e pacotes rareiam onde o mercado de ações é forte. Nesses países, atropelar as bolsas significa afrontar o eleitorado.

No Brasil, é um contra-senso que muitas empresas busquem se financiar através de crédito bancário, com os juros nas alturas, quando poderiam fazê-lo por meio da abertura de seu capital, o que lhes daria acesso a um dinheiro emprestado por sócios, a ser remunerado se - e na medida em que - o empreendimento der lucro. Para as empresas sempre será melhor crescer com sócios do que com credores.

Países como o nosso são chamados de mercados emergentes sobretudo pelo que representa o potencial do nosso mercado de capitais: enquanto nos mercados maduros as ações atingem até duas ou três vezes o valor patrimonial das empresas, no Brasil o valor de mercado das ações ainda está abaixo, na média, desse mesmo valor patrimonial.

-------------------------------------------------------------------------------- O mercado brasileiro de ações é pequeno: apenas 99 das 896 empresas registradas na CVM ainda estão presentes em bolsa --------------------------------------------------------------------------------

Tanto isto é verdade que os investidores estrangeiros, apesar dos periódicos abalos sísmicos das bolsas, continuam a investir com força, e não apenas capitais voláteis ou especulativos. O fluxo dos investimentos estrangeiros na Bovespa apresentou um saldo positivo de R$ 1,752 bilhão em 2006. A estabilidade continua a fornecer a base da credibilidade para esses investidores, que acreditam em nossa economia.

Mas, para os próprios brasileiros, a cultura do mercado acionário ainda é incipiente. As empresas necessitam de estímulos e garantias para abrir o capital ou lançar novas ações, enquanto o investidor individual precisa ser mais bem informado, e também estimulado. O uso do FGTS para comprar ações da Vale do Rio Doce e Petrobras foi uma experiência de sucesso que merece ser ampliada, para possibilitar a compra de papéis de outras empresas. Estas, por sua vez, devem criar programas tão comuns em outros países, de participação nos lucros e resultados por meio de ações. Tornar os empregados sócios do empreendimento, adotando esse critério para premiar um bom desempenho, é um caminho para envolvê-los mais com as estratégias e metas de crescimento da empresa. Todos terão a ganhar se, em vez de antagonista do capital, o empregado se reconhecer como associado a este.

Porém, em última análise, o grande salto para popularizar o capitalismo brasileiro pela via do mercado de capitais depende, principalmente, de reformas com a tributária e a previdenciária, que favoreçam a expansão dos fundos e clubes de investimento em ações e os fundos de pensão. O estímulo à previdência privada poderia gerar um potencial de investimento de centenas de bilhões de dólares a mais em ações.

Para ampliar o mercado acionário e torná-lo mais ativo, inclusive nas modalidades de debêntures e opção de compra, é preciso antes criar um ambiente com menos regulação, tributos e burocracia. O Estado deve ser mais transparente e menos controlador, abolindo formulários e racionalizando o número e as funções de secretarias e ministérios. As Parcerias Público Privadas podem ser ampliadas, com ênfase em novas emissões de capitais.

Em resumo, na medida em que mais empresas transformem em sócios anônimos os atuais correntistas dos bancos, o próprio setor financeiro terá que competir mais e operar melhor os recursos disponíveis para empréstimos, pois enfrentará a concorrência do público no financiamento da atividade empresarial. O maior oferta acabará por beneficiar o conjunto de todos os tomadores de empréstimo.

Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio SP) e dos Conselhos Regionais do Sesc e do Senac.