Título: FMI e Bird trabalhando pelos pobres
Autor: Severino, Jean-Michel
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Opinião, p. A13

Não é de hoje que o Banco Mundial (Bird) proclama seu sonho de "um mundo sem pobreza". Igualmente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) pode desejar "um mundo livre de crises financeiras". Esses são objetivos cruciais e desafiadores, porém demasiado estreitos para o século XXI. Para permanecer relevantes, as instituições originadas de Bretton Woods precisam adaptar-se plenamente às necessidades dos países em rápida emergência e poderiam dar partida a esse processo nos encontros que reunirão o FMI e o Banco Mundial neste segundo trimestre em Washington.

Como muitos analistas hoje reconhecem, o FMI deveria mirar além do gerenciamento de crises financeiras e começar a enfrentar comportamentos econômicos não-cooperativos - especialmente no terreno monetário. A comunidade internacional seria beneficiada com a conversão do FMI num centro de monitoração conjunta e de diálogo permanente entre os países ricos, pobres e emergentes. Mas para que isso aconteça, os pobres e emergentes precisam ter mais voz.

Felizmente, essa reforma está finalmente na agenda. No segundo semestre do ano passado, os encontros reunindo o FMI e o Banco Mundial aprovaram um aumento nas quotas de voto para algumas das economias emergentes mais sub-representadas: China, México, Coréia do Sul e Turquia. Uma segunda rodada de ajustes necessitará envolver outras economias em rápido progresso, sem reprimir a voz dos mais pobres.

No que diz respeito ao Banco Mundial, este não precisa "reposicionar-se" muito, a ponto de fixar-se em países emergentes, como fazem as organizações de apoio ao desenvolvimento em geral. A comunidade internacional precisa resistir aos apelos míopes para que abandone os países de renda média, baseados no argumento de que eles poderiam agora "caminhar com suas próprias pernas".

Quando se trata de governança mundial, enfermidades transmissíveis, mudanças climáticas ou ameaças à biodiversidade, a importância desses países é evidente. Eles respondem por 44% das pessoas que vivem com HIV/AIDS, 47% das emissões mundiais de CO2 e 52% das áreas naturais protegidas no planeta. A comunidade internacional simplesmente não pode deixá-los desamparados nessas questões cruciais sem pôr em risco seu próprio futuro.

Combater a pobreza é um objetivo não negociável, mas não pode ser o único propósito da ajuda internacional ou do Banco Mundial. Na realidade, um engajamento genuíno na redução da pobreza implica trabalhar com esses países. Eles são habitados por 70% da população que vive com menos de US$ 2 por dia e sofre enorme desemprego, extremas desigualdades, deficiências de infra-estrutura, desequilíbrios regionais e uma infinidade de outras dificuldades.

-------------------------------------------------------------------------------- O FMI deveria mirar além do gerenciamento de crises financeiras e começar a enfrentar comportamentos econômicos não-cooperativos --------------------------------------------------------------------------------

Alguns críticos argumentam que emprestar dinheiro público a países de renda média não é mais necessário, devido ao acesso destes a mercados financeiros. De fato, o afluxo de capital privado cresceu substancialmente na esteira da liberalização mundial e das privatizações nesses países. Mas os fluxos de capital privado revelaram-se voláteis e sujeitos a interrupções súbitas, como exemplificado nas crises financeiras asiática e russa no fim da década de 1990 ou, mais recentemente, no êxodo de investidores dos setores de infra-estrutura.

Outra desconfiança em relação a empréstimos públicos manifesta-se no argumento de que estes "expulsam" os investimentos privados. Entretanto, um crescente elenco de evidências documenta o impacto positivo dos investimentos públicos em produtividade e crescimento econômico. Os dados sugerem mais complementaridade do que exclusão mútua entre recursos privados e públicos.

Os críticos terminam por recorrer ao argumento de que os empréstimos multilaterais a países de renda média estão diminuindo juntamente com a demanda. Mas, embora os volumes de empréstimos tenham declinado em um terço desde a última crise financeira, isso foi apenas um retorno à normalidade. Depois de uma alta histórica recorde devido à ajuda emergencial a países como Coréia do Sul ou Argentina, os empréstimos estão de volta à sua tendência - em torno de US$ 25 bilhões por ano. Embora os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial tenham caído abaixo de seu patamar em meados da década de 1990, esse volume está novamente em alta, refletindo a expansão de bancos multilaterais regionais e um movimento pendular, nas políticas, que está voltando a privilegiar projetos de infra-estrutura financiados com recursos públicos.

Isso não significa que manter tudo inalterado deva ser suficientemente bom para o Banco Mundial. Seus produtos precisam ser adaptados. Com a descentralização em marcha em muitas economias emergentes, autoridades abaixo do nível nacional estão assumindo maiores responsabilidades. O Banco precisa ter condições de engajar-se com elas, mesmo na ausência de garantias em nível soberano nacional, e incrementar suas ofertas de empréstimos em moedas locais, uma vez que esses parceiros não podem arcar com riscos cambiais. Para atrair ainda mais o setor privado, será preciso proporcionar seguro e garantias. Além disso, mais engenharia financeira é necessária para tirar proveito da criatividade dos mercados financeiros.

Por último, como destacou David de Ferranti, um vice-presidente do Banco Mundial, a instituição deveria expandir suas parcerias intelectuais e engajar-se com profissionais de excelente formação, firmas de consultoria e instituições de pesquisa hoje existentes em países emergentes. O Banco precisa estar aberto à inventividade local para que seja aceito por - e relevante para - países de renda média.

Em termos de paridade de poder de compra, as rendas per capita em países de renda média continuam em torno de 15% das rendas nos países desenvolvidos. Ainda não chegou a hora da despedida. Uma convergência está à caminho, mas a minimização de seus custos globais exige uma reformulação das instituições nascidas de Bretton Woods para enfrentar os desafios com que se defrontam os países emergentes.

Jean-Michel Severino foi vice-presidente do Banco Mundial e dirige a Agência Internacional de Desenvolvimento (AFD) francesa. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org