Título: Inflação pede um combate que está longe de ser trivial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2013, Opinião, p. A14

A inflação agora parece mais intratável porque está associada a um baixo nível de crescimento geral, mas com velocidades díspares entre os setores da economia. A necessidade de um esfriamento por meio do aumento de juros fica evidente quando o Brasil cresceu acima de seu potencial, como os 7,5% de 2010. O diagnóstico e os possíveis remédios são agora mais complexos.

Boa parte da encrenca encontra-se no setor de serviços, cujos preços sobem acima de 8% há um bom tempo. Uma análise corrente, com boa dose de evidências, é a de que o setor inflou em detrimento da indústria, puxando a contratação de mão de obra e permitindo que o desemprego caísse em 2012 a 4,6%, um de seus mais baixos níveis históricos. Afora o ciclo demográfico, que começou a jogar desfavoravelmente ao país, a escassez relativa de trabalhadores propiciada pela alta demanda de serviços elevou os salários para a economia como um todo, inclusive para uma combalida indústria, que já sofria um sério déficit de competitividade.

Serviços pessoais e bens não comercializáveis com o exterior, em geral, impulsionaram os preços para cima em um ambiente de aumento de salários e da massa salarial recorrente. Os serviços compuseram 68,5% do Produto Interno Bruto em 2012 e puxaram para baixo a produtividade geral da economia. Os salários correram mais rápido que a produtividade, criando as condições para que a inflação volte a subir e, provavelmente, mude de patamar, criando certa resistência já perto dos 6%.

A outra face desse fenômeno foi o definhamento da indústria, no geral incapaz de superar o viés anticompetitivo trazidos por uma infraestrutura muito ruim, um sistema tributário pesado e insano, e que passou a suportar também as consequências de apreciação cambial quase permanente. Com isso, a indústria teve desempenho negativo, com perda de dinamismo exportador e a concorrência persistente dos importados. Para remendar a situação, o governo apostou no ano passado e, uma desvalorização induzida junto a mais protecionismo e colheu o esperado: aumento de preços.

As perspectivas não são risonhas se esse desenho do sistema econômico for estrutural, e não apenas conjuntural (como para Yoshiaki Nakano, Valor, edição de ontem). Ainda que o Brasil esteja de um descontrole inflacionário, o deslizamento progressivo do nível de preços para cima é um grave problema. Houve um choque de preços dos alimentos em 2012, acompanhado por uma desvalorização cambial, que elevou o IPCA. Mas os fatores que nutrem a alta dos preços parecem ser mais abrangentes do que um choque de oferta.

O governo fez uma aposta correta em baixar corajosamente a taxa de juros e tem usado outros expedientes para evitar novo aperto monetário. Está certo, mas tem sido incoerente. A desoneração da cesta básica e de vários bens industriais é positiva e foi amplamente reivindicada pelos empresários, ainda que seus efeitos sobre os preços sejam pontuais - e o timing do governo parece indicar que esse é o resultado pretendido. Para reduzir a carga de tributos o governo precisa gastar menos e economizar mais, o contrário do que vem fazendo. A redução de impostos acaba favorecendo o consumo, já muito estimulado por sucessivos pacotes. A receita é inflacionária.

Para estimular os investimentos, recorre-se a massivos créditos subsidiados, que engordam a dívida pública e minam a sustentabilidade da baixa taxa de juros que o governo persegue. E, ainda que pequena em relação ao passado hiperinflacionário do país, a elevação da inflação em um ou dois pontos percentuais, com juros baixos, é suficiente para desencadear deslocamento nada desprezível de ativos financeiros para o consumo de ativos reais. Isso ainda não ocorreu, embora todos os investimentos de baixo risco tenham perdido do IPCA em 2013. Pelo lado do maior credor, o governo, cerca de um terço da dívida, ou R$ 700 bilhões, são de títulos corrigidos pela inflação. Livrar-se dos títulos pós-fixados vinculados à Selic é uma boa ideia, desde que a inflação venha abaixo. As economias de um lado são em boa parte corroídas de outro.

Os juros são boa arma para esfriar a economia, mas sob vários aspectos ela já se encontra fria. Para atingir os serviços, a magnitude requerida provavelmente jogaria a economia na recessão. É mais eficaz acionar a retranca nos gastos públicos e no crédito, reduzir o festival de subsídios e deixar que os mercados de capitais impulsionem os investimentos.