Título: Leilão da insegurança
Autor: Sales, Claudio J. D.
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2010, Opiniao, p. 13

O Brasil precisa adicionar cerca de 3.300 MW-médios anuais à sua matriz elétrica para manter o crescimento econômico atual. É com esse objetivo que foi agendado para 17 de dezembro um leilão de energia que decidirá os vencedores que terão o direito de construir as usinas que iniciarão a produção de eletricidade num prazo de até cinco anos.

As cinco usinas hidrelétricas que participarão do leilão totalizam 1.315 MW-médios, algo como 40% da nossa necessidade anual de expansão. Três delas serão construídas no rio Parnaíba (Piauí) e as duas outras no rio Teles Pires (Mato Grosso).

Para uma usina poder participar de um leilão é obrigatória a Licença Prévia (LP), que atesta se o empreendimento é viável do ponto de vista socioambiental. Essa licença deve ser apresentada no momento do cadastro do empreendimento para o leilão. Excepcionalmente, a licença pode ser protocolada com antecedência de pelo menos 35 dias em relação à data da competição.

Estamos a menos de duas semanas do leilão e nenhuma usina possui Licença Prévia. Se a regra estivesse sendo respeitada, o leilão não deveria nem acontecer. As usinas de Teles Pires e Sinop realizaram audiências públicas entre 16 e 26 de novembro, cumprindo uma formalidade do processo de licenciamento ambiental. As audiências, obrigatoriamente, antecedem a emissão da Licença Prévia e subsidiam a análise do projeto.

Mas a própria Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) desrespeitou os prazos ao autorizar a apresentação da Licença Prévia até o dia 13 de dezembro às 18 horas. Ou seja, a quatro dias do leilão.

Os Estudos de Impacto Ambiental ¿ também conhecidos como EIAs e elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ou pelos empreendedores ¿ referentes a cada um dos empreendimentos são de conhecimento público. Mas as análises das EIAs ¿ feitas pelos órgãos ambientais como o Ibama ou órgãos estaduais ¿ ainda não foram divulgadas. E há apenas dois tipos de resultado para as análises. O primeiro resultado é a não aprovação do projeto. O segundo resultado é a aprovação do empreendimento e a emissão da Licença Prévia com as chamadas ¿condicionantes¿.

As condicionantes ¿ que são exigências feitas pelos órgãos ambientais e que implicam riscos de implantação e custos adicionais não previstos ¿ têm sido divulgadas aos 45 minutos do segundo tempo (nos últimos dias que antecedem o leilão).

Esse improviso impede que os competidores tenham tempo para incorporar as novas exigências às análises que embasarão a decisão de participar nos leilões. E não estamos falando de uma decisão trivial: serão investidas centenas de milhões de reais e assumidos contratos de concessão de 30 anos.

O elevado número de questionamentos jurídicos e as desistências de participação às vésperas dos leilões são indicadores objetivos da volatilidade e imprevisibilidade que têm imperado.

Essas distorções devem ser corrigidas urgentemente. Afinal, o leilão da hidrelétrica de Belo Monte, com atropelos no licenciamento e artificialidades no financiamento, é um episódio que não pode ser repetido. Os órgãos ambientais precisam ser responsáveis no cumprimento dos prazos. Os empreendimentos do rio Parnaíba estão em análise desde janeiro deste ano e as audiências públicas foram realizadas em março. Houve tempo suficiente para que os licenciadores desenvolvessem suas análises e decidissem, com antecedência razoável, se as licenças prévias seriam ¿ ou não seriam ¿ emitidas. Esse show de improviso e de suspense interminável não tem sentido.

O Congresso Nacional também pode contribuir para aumentar a segurança jurídica do licenciamento ambiental. Uma contribuição objetiva seria a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 1/2010, que define as competências dos licenciadores ambientais. Desse modo, será possível evitar o que ocorreu com a Usina Hidrelétrica de Sinop, que teve o seu licenciamento em âmbito estadual questionado pelo Ministério Público.

Esse conflito de competências precisa acabar, porque tem sido habilmente utilizado pelos procuradores como brecha jurídica para justificar a interrupção de projetos. A história recente demonstra que, quando o processo é conduzido de forma atabalhoada e improvisada, com desrespeito aos prazos previstos em lei, dois cenários perversos predominam: artificialidades ou cancelamento do leilão em cima da hora. Em ambos, uma grande perda de tempo e de dinheiro. Não precisaria ser assim.