Título: Juro explica dólar barato, diz Delfim
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Finanças, p. C1

Crítico feroz da valorização do câmbio, o ex-ministro Delfim Netto mostra convicção de que o mergulho do dólar se deve em grande parte ao nível elevadíssimo dos juros brasileiros. Para ele, o diferencial ainda significativo entre as taxas internas e externas, num cenário em que não há risco para quem esteja disposto a investir na moeda brasileira, explica por que o real se apreciou muito mais do que a média das divisas dos países emergentes nos últimos anos. O ex-ministro diz que, para brecar o movimento, é necessário introduzir algum risco nessa operação, que tornou o "real a mercadoria mais desejada do Brasil".

Delfim diz que, de 2004 para cá, a moeda brasileira apreciou-se 36%, muito mais do que os 16% registrados pela média das moedas dos emergentes. Segundo ele, era de se esperar que houvesse algum fortalecimento do real no período, num movimento que seria "simplesmente o espelho da desvalorização do dólar" no mercado internacional.

A questão é que está em curso um supervalorização da moeda brasileira, explicada pela "barbeiragem da política econômica", que não introduz um risco para o especulador que aproveitar o diferencial de juros, diz ele. Segundo Delfim, o especulador opera no mercado futuro, "e é o futuro que determina o câmbio no presente".

E o que deve ser feito para colocar risco nessa operação? "Eu estou cansado de dar receita, não vou dizer", responde o ex-ministro. Introduzir o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre capitais de curto prazo pode ser uma saída? "Nada disso. Mas eu não vou explicar. Os economistas ortodoxos é que têm que descobrir. O único jeito de a gente melhorar isso é os ortodoxos aprenderem", ironiza Delfim.

O ex-ministro rechaça também a avaliação ortodoxa de que os juros altos não explicam a valorização do câmbio porque a taxa Selic caiu sete pontos percentuais desde setembro de 2005 e mesmo assim o dólar não parou de cair. "Eu dou risada quando dizem que o juro caiu e o dólar não subiu, porque não estão entendo o que está ocorrendo", diz ele, para quem a queda no diferencial de juros tem funcionado como atração de mais recursos para especular com o diferencial entre as taxas, devido à perspectiva de que "a festa vai acabar". "Mas com esse Brasil que está aí a festa não vai acabar nunca. Quem vai acabar são os produtores, e aí o país terá o regime dos sonhos do neoliberal: uma sociedade formada apenas por consumidores", afirma. "Na verdade, tudo isso é produto de uma única coisa: o domínio do sistema financeira sobre o sistema produtivo", diz. O câmbio pode levar então à desindustrialização? "Isso é conversa mole. O Brasil está num processo de destruição de sua indústria", diz. É algo pior do que desindustrialização, não? "Isso depende de juízo de valor", ironiza, mais uma vez.

A idéia de que o dólar está excessivamente barato por causa dos elevados saldos comerciais não convence Delfim. Para ele, se desaparecesse o saldo comercial, mas o diferencial de juros continuasse alto e não houvesse risco para quem especulasse com a moeda brasileira, o câmbio provavelmente seguiria supervalorizado. "A idéia de que a supervalorização do câmbio é produto das virtudes da economia brasileira é uma demonstração de ingenuidade mortal."

Delfim também não perde a oportunidade de ironizar a visão que, segundo ele, muitos ortodoxos têm da economia global, considerando-a um sistema em que prevalece o equilíbrio e a competição é justa e honesta. "O Brasil é o único país que acredita nisso", diz, também classificando essa visão de ingênua.