Título: Lula adia desmilitarização e anula acordo com controladores de vôo
Autor: Leo, Sergio e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2007, Brasil, p. A3

Decidido a interromper negociações com os controladores de vôo enquanto não se restabelecer a "normalidade sustentada", segundo relatou um ministro ao Valor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiou a desmilitarização do setor aéreo, e anulou o acordo firmado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com os responsáveis pela paralisação dos vôos no país, durante o fim da semana passada, pelo qual não haveria punições no setor. O governo "tomou lições do episódio de sexta-feira", e não permitirá uma nova paralisação sem punições, garante um auxiliar direto do presidente.

Durante reunião com o Conselho Político, ontem de manhã, no Planalto, Lula deixou claro que não haverá mais condescendência, e que os amotinados passarão a responder por sua ação com base nas leis militares, que prevêem, inclusive, prisão em caso de paralisação de serviços essenciais.

A decisão de adiar a MP da desmilitarização é uma tentativa do Planalto de evitar mais complicações em um cenário de quase descontrole. "Depois que os serviços estiverem normalizados, vamos discutir o que fazer: não dá para transformar todos os controladores militares em civis neste momento", defendeu o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), após encontro com o presidente.

A avaliação do Planalto é de que uma medida dessa natureza é demasiadamente complexa para ser tomada no auge da crise aérea. Repetindo argumentos que ouviu de comandantes militares, Lula demonstrou aos líderes aliados preocupação com a possibilidade de outros trabalhadores que prestam serviços essenciais na administração do espaço aéreo repetirem a atitude dos controladores e também cruzarem os braços. E avisou que o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, retomaria o controle das negociações, no lugar do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

O novo cenário dá força à punição dos controladores de vôo amotinados, com base nos Inquéritos Policiais Militares (IPMs) propostos pelo Ministério Público Militar. Os aliados defendem que a nova estratégia não é um recuo do governo, ou uma admissão de erro. Para eles, a atuação de Bernardo foi importante em um momento agudo da crise. "Na sexta-feira, o objetivo era a volta à normalidade; a partir de agora, quem quebrar a disciplina militar tem que responder por isso", reforçou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS).

Durante cerimônia de apresentação dos novos oficiais generais promovidos nas três Forças - Marinha, Exército e Aeronáutica -, ontem no Planalto, Lula evitou comentar a crise. Diante dos militares, foi generoso em elogios às Forças Armadas e afirmou que estar na cerimônia o fazia refletir "profundamente" sobre as responsabilidades como Comandante Supremo das Forças Armadas.

Após o evento, o brigadeiro Juniti Saito, lacônico, demonstrou a esperança de que a fase mais difícil da crise tenha ficado para trás. Para ele, "o feriado de Páscoa será tranqüilo". Saito também assegurou não ter se sentido desautorizado pelo presidente na semana passada, ao ser substituído por Paulo Bernardo no processo de negociação com os controladores de vôo.

Diferentemente de seu antecessor, o brigadeiro Luiz Carlos Bueno, que trabalhou ativamente contra a desmilitarização do setor de controle aéreo, Saito é tido no governo como um moderado, que não imporia obstáculos à medida. Auxiliares do presidente argumentam, agora, ser impossível promover a mudança sem a cooperação ativa da força, que detém os equipamentos e instalações hoje destinadas ao controle de vôos.

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Jorge Armando Félix, negou haver qualquer insatisfação das Forças Armadas diante da possível quebra de hierarquia na negociação do governo com os controladores amotinados. "As Forças Armadas não devem ficar satisfeitas ou não satisfeitas, elas devem cumprir a legislação do país. Satisfação é outra coisa", afirmou Félix. Ele confirmou que o GSI alertou o governo quando a greve foi decidida e discorda de quem acha que Lula errou ao romper um possível acordo de não punição dos controladores.

"O presidente da República representa a sociedade brasileira e ela não achou bom que um pequeno grupo paralisasse todo o tráfego aéreo", comentou. "O interesse da sociedade supera qualquer outro interesse".

Completamente excluído do processo decisório, o ministro da Defesa, Waldir Pires, negou que tivesse conhecimento do motim dos controladores na sexta-feira. E respondeu de forma confusa sobre um possível recuo no rumo das negociações. "O governo teve a posição sempre de assegurar, de segurar a capacidade, de respeitar as normas essenciais; foi assim que eu falei na sexta-feira", afirmou. (Colaborou Daniel Rittner)