Título: Em ziguezague, governo arrisca a segurança dos passageiros
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2007, Brasil, p. A4

Nos quase 60 minutos em que esteve com os representantes dos controladores de vôo de todo o país, ontem pela manhã, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não abriu qualquer negociação sobre as reivindicações do setor. O único recado de Bernardo foi que o governo não vai negociar "com a faca no pescoço", segundo relato de um dos presentes.

Os controladores esperavam ontem ainda uma nova reunião com o ministro, que não aconteceu. À tarde, dois do grupo retornaram ao gabinete de Bernardo. A eles, o ministro assegurou que vai sentar com o Comando da Aeronáutica para preparar uma agenda de medidas de curto, médio e longo prazos, desde que o controle da aviação civil volte a funcionar normalmente. Mas não deu prazo.

O clima ontem nos Cindactas - Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - era de forte tensão. Os oficiais da Aeronáutica, que na segunda-feira não haviam comparecido, retornaram a seus postos de comando no controle aéreo. Há um forte temor, também, de que o governo não cumpra os compromissos assumidos na sexta, conforme relato de um dos líderes do movimento. No final do dia, não havia uma estratégia definida pelos controladores: se recuam e voltam ao trabalho ou se prosseguem nas reivindicações, ainda que sujeitos a um inquérito policial militar (IPM).

O presidente Lula, que na sexta-feira, durante o motim dos controladores, mandou Bernardo como emissário para uma negociação onde assumiu compromissos por escrito, no dia seguinte cedeu às pressões da Aeronáutica baseadas na doutrina da hierarquia e disciplina, numa atitude em ziguezague.

A crise que se abateu sobre o setor aéreo, desde o acidente que em setembro do ano passado matou 155 pessoas, é estrutural e grave. Envolve erros de gestão, problemas nas linhas de comando, ausência de diálogo. Não há uma solução simples. Para enfrentá-la, o governo criou um grupo de trabalho em novembro de 2006.

O relatório desse grupo, entregue ao ministro da Defesa em dezembro, listava as medidas necessárias: desmilitarização do controle da aviação civil, criação de um órgão civil ligado ao Ministério da Defesa, mas com gestão própria para executar essa tarefa, reformulação das carreiras e remunerações, redesenho do espaço aéreo brasileiro, entre outras propostas. O mesmo relatório descreve a posição contrária da Aeronáutica.

Passados três meses da conclusão do documento, nada andou. Não houve um sinal do Palácio do Planalto de que estava ao menos preocupado com o problema. No dia 29 de março, um motim dos controladores de vôo paralisou todos os aeroportos do país. O ministro do Planejamento foi enviado por Lula para abrir negociação.

Uma minuta foi divulgada após esse encontro, com os seguintes compromissos assumidos pelo Planejamento e Casa Civil: o governo iria rever os atos disciplinares militares; abrir um canal permanente de negociação (...) tendo como referência de início dos trabalhos a implantação gradual de uma solução civil; e abrir um canal de negociação sobre remuneração dos controladores civis e militares a partir de terça-feira (ontem).

O que está em jogo, a essa altura, porém, não é a hierarquia e disciplina necessárias às carreiras militares, mas o funcionamento do sistema de aviação civil e a segurança dos passageiros.