Título: Mudanças exigem alterar lei e vão demorar
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2007, Brasil, p. A4

Embora politicamente já decidido, o processo de desmilitarização do controle do tráfego aéreo no Brasil demorará para ser iniciado. O Ministério do Planejamento informou ontem que a transferência desta atribuição da Aeronáutica para um órgão civil ligado ao Ministério da Defesa depende de encaminhamento e aprovação de um projeto de lei complementar (PLC), matéria que exige quorum qualificado no Congresso.

A Lei Complementar 97, de 1999, estabelece, em seu artigo 18, que cabe à Aeronáutica, como atribuição "subsidiária particular", orientar, coordenar e controlar as atividades de aviação civil. Portanto, só outra lei da mesma hierarquia pode alterar tal situação.

Não necessariamente, no entanto, o governo terá que esperar pela aprovação do PLC, que sequer tem data prevista de apresentação, para promover uma melhoria das condições salariais dos controladores militares de vôo. Embora também sem data marcada, continua nos planos a edição de uma Medida Provisória, pelo menos, para conceder-lhes algum tipo de gratificação. Estudada desde o ano passado, a melhoria dos vencimentos foi um dos compromissos firmados pelo ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, para conter a greve deflagrada em Brasília na noite de sexta-feira e que paralisou por algumas horas o tráfego aéreo em diversos pontos do país.

Ontem, Paulo Bernardo voltou a se reunir com os sargentos amotinados. Mas a reunião não foi para negociar a prometida gratificação e sim para fazer uma advertência: os planos para a categoria só serão levados adiante se o governo tiver segurança de que não haverá novas paralisações.

"Não vamos negociar com a faca no pescoço. Exigimos que haja condição de absoluta normalidade. O governo quer fazer a mudança num clima de traqüilidade ", afirmou o ministro, ao relatar a conversa. Os representantes dos controladores não quiseram dar declarações à saída do encontro. Mas, diante das manifestações de "colaboração" e "patriotismo" ouvidas dentro da sala, tanto o ministro quanto seus assessores saíram da reunião entendendo que houve sim compromisso de que não haverá novas paralisações.

Durante o encontro, o ministro também deixou claro que os controladores terão que se entender com seus superiores da Aeronáutica, já que, por ordem do presidente Lula, nada será feito à revelia do comando da Força. A ordem veio depois que o comando reagiu muito mal à interferência feita por Bernardo, a pedido do próprio Lula, na greve de sexta. Além de impedir prisões cujas ordens já estavam expedidas, diante da situação de emergência, o ministro do Planejamento sentou para conversar diretamente com os amotinados, todos sargentos, sem a presença de oficiais e ainda prometeu que não haveria punições.

O quadro mudou, porém, depois que o Ministério Público Militar entrou no caso, anteontem, e pediu a abertura de inquéritos, que poderá resultar na abertura de processos e condenações contra os amotinados no âmbito da Justiça Militar. Em caso de nova paralisação, novas ordens de prisão expedidas pelo comando não poderão ser interceptadas como foram na semana passada. Por isso, colaboradores de Bernardo não acreditam em nova greve.

Outro fator que reforça essa convicção é que, na visão do Planejamento, o governo não pode ser acusado pelos grevistas de desrespeitar o acordo de sexta. O planejamento argumenta que Bernardo prometeu não adotar punições administrativas. Mas nunca ninguém falou em anistiar os amotinados de eventuais condenações pela Justiça Militar nem em deixar de punir eventuais novas infrações à legislação. "Não se falou em anistia na reunião", disse o ministro.

O Ministério do Planejamento não esclareceu, ontem, se a necessidade de lei complementar para transferir o controle do tráfego aéreo da esfera militar para a civil impede a criação anterior da secretaria que ficará responsável por essa missão na Defesa. Entre colaboradores do ministro, há quem entenda que o novo órgão civil pode sim ser criado pela mesma MP que resolverá o problema salarial, antes da aprovação da lei.

Mesmo após mudada a legislação, o processo de substituição de militares por civis demoraria anos para ser concluído. O entendimento preliminar é que, para entrar nas novas carreiras, os militares teriam que fazer concurso.