Título: Bolívia cria comissão para estatizar a telecom Entel
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Fonte: Valor Econômico, 04/04/2007, Internacional, p. A11

O governo da Bolívia iniciou ontem um processo de negociação para estatizar a Empresa Nacional de Telecomunicações (Entel), controlada há uma década pelo grupo Telecom Italia.

A negociação será conduzida por uma comissão ministerial e deve ser concluída em 30 dias, segundo afirmou o ministro da Presidência (equivalente à Casa Civil, no Brasil), Juan Ramón Quintana. Além dele, irão integrar essa comissão os ministros Luis Arce (Fazenda) e Jerjes Mercado (Obras Públicas).

Os executivos da Entel não se pronunciaram publicamente. Um porta-voz da empresa disse que eles "primeiro analisarão o conteúdo do decreto e só então consultarão os sócios italianos, para que possam se pronunciar quanto ao tema".

O presidente da Confederação de Empresários da Bolívia, Roberto Mustafá, disse ser a negociação "o caminho adequado", para evitar abusos contra investidores como os já ocorridos no país.

Entretanto ele disse ter dúvidas quanto à capacidade de gerenciamento do Estado em relação ao setor de telecomunicações. "Temos uma má experiência com o Estado como adminis-trador. Há um grande temor, pois sempre há problemas de corrupção com o Estado. Queremos saber qual é a estratégia para gerenciar a empresa."

A Telecom Italia possui 50% da Entel; os trabalhadores e investidores minoritários controlam 6%. Os 44% restantes, teoricamente propriedade do povo boliviano, são geridos em partes iguais por duas administradoras de fundos de pensão, por uma filial do banco espanhol BBVA e outra do suíço Zurich.

Em fevereiro, Morales havia admitido que existia um "profundo debate" entre os assessores do governo para analisar como se daria a estatização da Entel, comprada parcialmente em 1996 pela italiana Stet, que logo se desfez de sua participação, cedendo-a para a Telecom Italia.

Esta empresa ficou com 50% das ações da Entel em troca de um compromisso de investir US$ 610 milhões na operadora. No começo deste ano, o principal executivo da Entel, o italiano Franco Bertone, disse que foi investido mais do que o valor acertado para transformar a companhia em líder do setor na Bolívia.

Atualmente, a Entel controla 68% da telefonia de longa distância, 67% da móvel e 90% dos serviços de internet, conforme dados da superintendência do setor.

A estatização do setor de telecomunicações na Bolívia era dada como certa havia meses.

No início de março, o presidente Evo Morales, numa viagem rumo ao Japão, fez uma escala em Roma para negociar com o governo italiano e possivelmente com representantes da Telecom Italia.

A expectativa é que a empresa italiana seja indenizada e que não se oponha à passagem de controle da Entel para o Estado.

Com isso, o governo boliviano dá sequência ao seu programa de estatização de setores estratégicos da economia, inspirado no projeto socialista defendido pelo venezuelano Hugo Chávez.

No ano passado, o país decidiu estatizar ativos do setor de petróleo e gás, processo até hoje não concluído. Anunciou ainda a estatização de ativos do setor de mineração. Avalia-se que um provável próximo alvo seja o setor de previdência privada.