Título: Participação de múltis no BNDES vai a 24%
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2007, Especial, p. A14

No intervalo de 12 anos, de 1995 a 2006, os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas controladas por capital estrangeiro no Brasil passaram de insignificantes 2,7% para 23,9% do total desembolsado no ano. Em números absolutos, os valores passaram de R$ 195 milhões para R$ 12,2 bilhões no ano passado, graças ao crescimento exponencial dos desembolsos totais do banco estatal, que passaram de R$ 7 bilhões para R$ 51,3 bilhões ao longo deste período.

Em meados dos anos 1990, a direção do BNDES eliminou a proibição que havia até então para empréstimos a empresas de controle estrangeiro. Desde então, a participação relativa dessas empresas no total dos financiamentos do banco manteve uma curva ascendente quase sem interrupção. A proibição foi suspensa, principalmente, porque o banco entendeu que feria a Constituição de 1988 que não faz distinção entre empresas instaladas no país pela origem do capital.

Os setores de papel e celulose, automobilístico, de transporte aquaviário e de máquinas e equipamentos lideraram os desembolsos em 2006 para as empresas de capital estrangeiro. O setor automobilístico tem sido historicamente um dos principais clientes do banco estatal desde o fim do veto ao capital estrangeiro. Somente em 2003 o banco aprovou R$ 2,3 bilhões para as montadoras. O setor elétrico também tem sido um cliente tradicional, especialmente após as privatizações.

Nos últimos três anos o crescimento dos empréstimos às multinacionais se acelerou, chegando a 14,8% do total em 2004, a 22,3% em 2005 e a quase um quarto do total no ano passado. Para analistas ouvidos pelo Valor, vários fatores vêm contribuindo para essa aceleração, a começar pela queda das taxas de juros domésticas. Esses especialistas observaram também que, apesar de crescentes, os financiamentos às empresas de controle estrangeiro ainda estão longe de ser proporcionais à fatia da produção de bens e serviços que essas empresas detêm na economia brasileira.

O capital estrangeiro controla 45% das 500 maiores empresas brasileiras, segundo o economista Antônio Corrêa de Lacerda, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "24% em relação a 45% ainda é pouco", argumenta Lacerda, concluindo que a maior parte dos projetos das empresas estrangeiras no Brasil ainda é desenvolvida com investimento direto da matriz ou com recursos captados no mercado.

Lacerda relaciona uma série de razões para o crescimento recente dos empréstimos do BNDES às empresas estrangeiras instaladas no país. A primeira é a facilidade de acesso. Isso, no seu entendimento, torna mais simples captar aqui do que alavancar no exterior. O segundo ponto seriam "os custos cada vez mais competitivos" (do dinheiro do BNDES) com a queda da taxa de juros básica (Selic) e suas conseqüências benéficas sobre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), referência do custo do dinheiro do banco estatal.

O terceiro aspecto, segundo o economista, é a crescente disponibilidade de recursos do BNDES. O banco estatal tem ficado com sobras orçamentárias nos últimos anos, apesar de o seu volume de empréstimos ter mais do que multiplicado por sete nos últimos 12 anos. O volume emprestado em 1995 (R$ 7,09 bilhões) é praticamente o mesmo dos dois primeiros meses deste ano (R$ 7,02 bilhões).

Lacerda também observa que ao captar os recursos para investir em reais, a empresa estrangeira elimina a necessidade de gastar com onerosas operações de "hedge", que precisam ser feitas para se proteger quando os financiamentos são tomados em moeda estrangeira.

Do ponto de vista do banco, o economista disse que ele age corretamente ao mirar "inteligentemente" no conteúdo local da cadeia produtiva e na geração de empregos em vez de ficar preocupado com a origem do capital da empresa investidora. "É possível financiar uma empresa 100% nacional para um projeto com baixo conteúdo local e fazer o mesmo com uma empresa estrangeira para um projeto de conteúdo local elevado", argumenta.

Outro especialista, o consultor John Edwin Mein, mestre em finanças e administração de empresas multinacionais, calcula que o capital estrangeiro controla de 35% a 36% da base produtiva do Brasil. Para ele, isso significa que, mesmo sabendo que essas empresas irão sempre buscar financiamentos em várias fontes, ainda há espaço para crescimento dos empréstimos do BNDES a elas direcionados.

"Havia uma proibição e isso (os empréstimos) está crescendo aos poucos", analisa. Mein, que acaba de deixar a presidência da Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais (Sobeet), entende que para alguns setores econômicos é mais vantajoso assumir um risco local do que pagar elevados custos de hedge, mesmo que o custo interno do dinheiro seja mais caro. Essa estratégia, evitaria também sobrecarregar o balanço da matriz com alavancagem.

O advogado Sérgio Dourado, do escritório Coelho, Anselmo & Dourado Advogados, entende que as maiores vantagens são econômicas, mas argumenta que os custos burocráticos e tributários de um empréstimo externo em relação a um interno não podem ser relevados quando as taxas de juros se aproximam. No caso do BNDES, a desvantagem, segundo ele, pode estar nos custos das garantias reais ou fiança bancária exigidas pelo banco estatal. O BNDES não comentou os seus números.