Título: Pastor humilde tem profunda habilidade política
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2013, Internacional, p. A13

Que tipo de papa Jorge Bergoglio vai ser? Para encontrar pistas, preste atenção a seu chapéu.

Na varanda da Basílica de São Pedro, o papa Francisco apareceu de solidéu branco, não de mitra - sinal, segundo seus simpatizantes, da simplicidade e da sensibilidade de pessoa comum que ele tornou sua marca na Argentina natal.

"Ele modernizou a Igreja no sentido de que se comportou como uma pessoa normal", recorda o padre Ignácio Pérez del Viso, que foi um dos professores de teologia do papa.

O jesuíta, que pegou ônibus e voou de classe turística ao conclave que o elegeu, que preferia ser chamado de "padre" em vez de "monsenhor" e até foi visto lavando louça em um encontro de sua ordem, já é carinhosamente apelidado de papa "villero" (como se costuma chamar os moradores ou, no caso, frequentadores das favelas na Argentina) pelos moradores da maior favela de Buenos Aires.

Começaram a aparecer camisetas e canecas com sua foto e até, segundo uma notícia, camisas do San Lorenzo, seu amado time de futebol em Buenos Aires, com o nome "Francisco" estampado nas costas.

"Meu Deus!" - a manchete do jornal "Página 12" ontem - resumiu tanto a surpresa pela escolha do homem, que aos 76 anos se imaginava velho demais para ser escolhido, quanto à efusão de orgulho no país.

O papa agora encarregado de sanar as divisões em uma Igreja assolada internacionalmente por escândalos sexuais e acusações de malversação financeira, no entanto, enfrenta seus próprios - e ruidosos - detratores locais.

"Para nós, sua eleição é um passo atrás na luta pelos direitos humanos", disse Carlos Pisoni, do grupo Hijos, que representa os filhos de 30 mil simpatizantes esquerdistas que morreram ou desapareceram durante a "guerra suja" da ditadura militar entre 1976 e 1983. "Há provas suficientes de que Bergoglio foi cúmplice durante a ditadura."

Embora ninguém insinue que o papa foi aos centros de tortura comandados pelos militares para ouvir confissões, ele é acusado por ativistas dos direitos humanos de ter retirado a proteção de dois jesuítas que foram posteriormente sequestrados, torturados e depois libertados. Embora o papa, que testemunhou em dois julgamentos da "Guerra Suja", diga que fez pressão pela sua libertação, Horacio Verbitsky, jornalista e autor de um livro sobre a Igreja e a ditadura, atacou-o em artigo no "Página 12" como "a pessoa indicada para encobrir a podridão". "Ele é um especialista em encobrir."

O ex-cardeal diz ter tomado conhecimento do plano sistemático da ditadura para roubar bebês apenas anos depois do fim do regime. O grupo Hijos, enquanto isso, exibiu seu descontentamento com um pôster em seu site mostrando uma montagem fotográfica do novo papa em um Ford Falcon - o carro usado nos sequestros da ditadura - respingado de sangue, ao lado de membros da junta militar.

Hebe de Bonafini, líder das Mães da Praça de Maio, disse que o grupo, formado por mulheres com filhos desaparecidos, considera a Igreja argentina "opressiva".

Felipe Denegri, um jesuíta chileno veterano que deixou a Igreja, traçou um quadro de um líder faminto por poder, semeador de discórdia e manipulador, adepto da tática de ganhar a simpatia por meio de sua humildade.

Joaquín Morales Solá, comentarista do jornal "La Nación", que conhece o papa e o encontrou brevemente antes de sua viagem ao Vaticano, o chamou de "uma mistura equilibrada de pastor e político".

A volta às raízes, colocando os padres de volta às ruas e em contato com os fiéis, é uma das paixões do papa Francisco. Para o padre Pérez del Viso, ele é politicamente habilidoso e sabe como transmitir suas mensagens de forma que ganhem as manchetes.

De fato, após sua eleição, ele usou a varanda da Basílica de São Pedro como um púlpito, falando com toda a franqueza à multidão.

Embora seja provável que ele traga novos ares para um Vaticano repleto de protocolos, ele é visto basicamente como um conservador, embora pragmático em questões doutrinárias.

O papa foi crítico do Fundo Monetário Internacional (FMI) e das políticas neoliberais, e em questões religiosas segue uma linha conservadora. Ele foi enfático em sua oposição ao casamento homossexual, legalizado na Argentina em 2010, e se opõe ao aborto e métodos anticoncepcionais.