Título: País estaciona em índice de qualidade vida da ONU
Autor: Campos, Eduardo; Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2013, Especial, p. A16

Por meio de complexas fórmulas e teorias matemáticas, que combinam estatísticas de educação, expectativa de vida e renda per capita de 187 países, a Organização das Nações Unidas (ONU) busca, desde 1990, medir os avanços econômicos e sociais do mundo por meio de um ranking, conhecido como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Na tabela de 2012, divulgada ontem em Brasília, o Brasil aparece na 85ª posição, com nota 0,730, espremido atrás de Omã (0,731) e um pouco à frente da Armênia (0,729).

O resultado mostra que o Brasil estacionou no conceito de desenvolvimento da ONU - quanto mais próximo de 1, melhor a classificação do país. Apesar de não ter apresentado mudança na passagem de 2011 para 2012, o Brasil ficou enquadrado no padrão "elevado desenvolvimento humano", mas bastante distante do conceito "muito elevado" da Noruega (1º lugar, com 0,955) e também longe de países vizinhos, como Chile, Argentina e Uruguai, respectivamente nas 40ª, 45ª e 51ª posições na classificação do IDH. O país também ficou abaixo da média da região da América Latina e Caribe, cujo IDH ficou em 0,741.

Embora o governo brasileiro conteste a metodologia estatística da ONU, o resultado do país pode estar associado a uma diminuição do ritmo no avanço socioeconômico, principalmente nos últimos três anos.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), onde consta o IDH 2012, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de 2010 a 2012, tanto o total de anos esperados de estudo como a média de anos de escolaridade ficaram estagnados em 14,2 e 7,2 respectivamente. O ítem expectativa de vida teve ligeira variação, de 73,1 para 73,8, e a renda per capita subiu apenas 2,4% no período, de US$ 9.911 para US$ 10.152.

Nos anos anteriores, o desempenho do país nesses indicadores cresceu de forma mais intensa. De 1995 a 2005, por exemplo, o IDH brasileiro cresceu de 0,633 a 0,699. Desde 1990, o país subiu 24% no IDH, se posicionando entre os 15 países que mais conseguiram reduzir o déficit no índice.

Para Flavio Comin, economista e ex-coordenador do Pnud no Brasil, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o Brasil chegou a um estágio dentro do indicador em que o ritmo dos avanços naturalmente diminui. "O problema é que países à nossa frente, que deveriam estar num ritmo naturalmente mais lento de desenvolvimento, como Uruguai, Argentina e Chile, avançam mais rápido do que a gente."

Comin destaca que a maioria dos países da América Latina e Caribe tem melhores resultados em educação e saúde, o que acaba deixando o Brasil para trás. "O Brasil teve taxa de crescimento anual de 1,26% de 1990 a 2000 e de 0,73% de 2000 a 2012. Nossa desaceleração pode ser normal, mas é uma desaceleração três vezes maior que a dos nossos vizinhos. Deveria ocorrer o oposto", diz o especialista.

As principais políticas sociais brasileiras se concentram no conceito da renda, diz o economista, lembrando da remuneração do Bolsa Família e do plano Brasil sem Miséria. Comin sugere políticas governamentais mais incisivas em saúde e educação. "A taxa de abandono do ensino primário no Brasil é de 24,3 %, no Chile é de 3%, na Argentina, de 5%. A educação melhorou, mas esses números não ajudam no IDH."

Denise Cavallini Cyrillo, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), aponta que o Brasil está longe de alcançar a expectativa de vida dos países europeus, de aproximadamente 80 anos. Isso ocorre, segundo Denise, "pelos problemas de acesso a serviços de saúde de qualidade, e pelo avanço das doenças crônicas não transmissíveis, que se agravam pela falta de educação nutricional e agressividade da propaganda de muitos alimentos industrializados pouco saudáveis".

Segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, os dados referentes à educação que contam na base da ONU apresentam defasagem. A média de anos de estudo é de 7,4 anos e não de 7,2 anos, como mostram os dados. Sobre a expectativa de vida, ele nota que a taxa de progresso do Brasil está em linha com a do resto do mundo.

O ponto mais complicado é o do cálculo da renda. O IDH leva em conta o PIB per capita, mas alguns autores sugerem o uso de pesquisas domiciliares, pois elas captam melhor o crescimento do padrão de vida e também traçam um melhor retrato da desigualdade. "O que acontece no Brasil é que o PIB cresce em um ritmo menor do que o da renda", disse.

Além do IDH de 2012, a ONU divulga de forma experimental outros dois índices no seu relatório desde ano, o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) e o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG). O primeiro parte dos dados nacionais relativos à saúde reprodutiva, capacitação das mulheres e sua participação no mercado.

Holanda, Suécia e Dinamarca lideram o IDG, com a menor desigualdade de gênero. As regiões que registram a maior desigualdade de gênero medida pelo IDG são a África subsaariana, o Sul da Ásia do Sul e os países árabes. O Brasil apresenta um IDG de 0,447, o que coloca o país na 85ª colocação, entre 142 países avaliados.

Já o IMP tem uma composição de variáveis múltiplas sobre as carências da população em saúde, educação e renda. Todos esses indicadores, no entanto, têm de partir de uma mesma pesquisa. As diferentes variáveis ganham pesos e um indicador é calculado, depois é aplicada uma taxa de corte que separa os pobres dos não pobres. Nos 104 países analisados pela ótica do IPM, estima-se que cerca de 1,56 bilhão de pessoas vivam em situação de pobreza multidimensional.