Título: Projeto da Fazenda permite penhora de bens de devedores sem ordem judicial
Autor: Galvão, Arnaldo e Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2007, Brasil, p. A3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou ontem à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, dois anteprojetos de lei que, se aprovados pelo Congresso, vão revolucionar a cobrança de dívidas tributárias e aumentar a arrecadação. A maior alteração é a possibilidade de a Fazenda Pública penhorar, diretamente, bens dos devedores sem ordem judicial. Além disso, as administrações poderiam negociar acordos com os contribuintes inadimplentes, abrindo mão de grande parte de multas, correção monetária e juros.

As duas propostas vão ser discutidas com diversas entidades antes de serem enviadas ao Congresso, o que pode ocorrer em abril. Vão ser consultados os integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne todos os secretários estaduais de Fazenda. Os Estados poderiam adotar também as regras de negociação de acordos.

A União, segundo o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luiz Inácio Adams, tem aproximadamente R$ 600 bilhões em dívidas levadas para cobrança judicial. Aproximadamente 90% desse grupo são débitos com mais de cinco anos de processo, o que revela baixa perspectiva de recuperação. Outros R$ 300 bilhões estão sendo cobrados na fase administrativa.

Segundo Adams, esse enorme volume de créditos que não foram honrados pelos contribuintes foi sendo acumulado pela rigidez da Lei de Execução Fiscal (6.830 de 1980). São cerca de 8 milhões de inscrições na dívida ativa, mas 3,5 milhões têm valor inferior a R$ 10 mil e não são executadas.

Procurando resolver a falta de flexibilidade da legislação, os anteprojetos criam normas para uma Lei Geral de Transação Tributária e reformam a Lei de Execução Fiscal. "O atual modelo é pouco eficiente e muito moroso. Levamos mais de um ano para penhorar bens em outros Estados. Também não temos a possibilidade de negociar acordos, disse Adams.

Outra novidade prevista nos anteprojetos é a possibilidade de o governo federal contratar instituições financeiras para cobrar dívidas tributárias, autorizando a assinatura de acordos com os devedores. Bancos oficiais estariam dispensados de licitação.

Adams explicou que a penhora direta de bens pela Fazenda tem duas importantes exceções. A primeira é a indisponibilidade geral de bens. A segunda é a penhora de faturamento das empresas. Ambas continuariam exigindo ordem judicial para serem cumpridas.

O devedor poderia, a qualquer momento, segundo o projeto, propor acordo com a administração tributária. No nível federal, seria criada uma câmara de conciliação integrada por representantes da Receita e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O Estado não seria obrigado a aceitar as propostas, mas os contribuintes que omitirem bens e patrimônio poderiam ser responsabilizados criminalmente. Seriam assinados, se aprovados pela câmara, termos de ajustamento de conduta.

Mantega comprometeu-se a utilizar eventuais ganhos de arrecadação para a desoneração tributária para o contribuinte que paga em dia. "Isso vai nos livrar dos famosos Refis que são procedimentos que não gostamos muito", disse Mantega.

Se conseguir aprovar o projeto no Congresso, o governo deverá enfrentar ações no STF. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, criticou duramente a proposta para agilizar a cobranças de dívidas. Para ele, a estratégia do governo é "absurda", pois estabelece "um procedimento sumário para a cobrança de dívidas sem a garantia do devido processo legal". Para Britto, o projeto é inconstitucional ao incluir a possibilidade de bloqueio de bens de devedores da União sem a necessidade de qualquer autorização judicial.