Título: Uruguai quer mudar acordo automotivo com o Brasil
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2007, Brasil, p. A5

O Uruguai está pressionando o Brasil a aceitar um comércio administrado de veículos e autopeças a exemplo do que já ocorre com a Argentina. A proposta uruguaia entregue ao governo brasileiro, a qual o Valor teve acesso, prevê que para cada US$ 1 em carros exportados pelo Brasil para o Uruguai sem pagar tarifa de importação, o país será obrigada a comprar US$ 3 do vizinho. O acordo automotivo entre os dois países expira em junho e está sendo renegociado.

As modificações sugeridas pelos uruguaios incluem também um aumento das cotas que o país pode vender ao Brasil com menor exigência de conteúdo local. A pressão do governo do Uruguai é uma tentativa de obrigar montadoras e fabricantes de autopeças a investir no país e de favorecer as atividades da Chery, montadora chinesa que vai instalar uma fábrica em Montevidéu.

Para ônibus e automóveis, a sugestão dos uruguaios é para cada US$ 1 dólar exportado, o Brasil importe US$ 1,5. Em autopeças, a relação seria US$ 1 para US$ 1. Os veículos e autopeças que ultrapassarem esses limites teriam que pagar 70% da tarifa de importação. No caso dos carros, a taxa é de 35%. Dado o imenso desequilíbrio comercial hoje, a proposta do Uruguai prevê uma fase de transição. Até 2007, estariam livres dessas regras 7 mil carros brasileiros e US$ 100 milhões em autopeças exportadas para o Uruguai. Esse limite cairia para 3,5 mil automóveis e US$ 50 milhões em autopeças em 2008.

Funcionários dos dois governos e representantes do setor privado se reúnem hoje em São Paulo. A delegação brasileira será chefiada pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, e a negociação do setor automotivo será conduzida pelo secretário de Desenvolvimento da Produção, Antonio Sérgio Martins Mello. Pelo lado uruguaio, o responsável é o subsecretário de Indústria do país, Martín Ponce de León. Também estarão presentes representantes do Itamaraty, da Fazenda e do BNDES. É a terceira reunião para discutir o tema desde que o Uruguai apresentou a proposta.

O governo brasileiro está tentando ajudar o Uruguai, seguindo a diretriz de favorecer os sócios menores do Mercosul. Em recente visita ao país, quando arrancou dos uruguaios o compromisso de não negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu incentivar investimentos. Mas é difícil convencer as montadoras a instalar uma fábrica no Uruguai, onde o mercado interno é de 30 mil carros por ano, diante de 1,8 milhão no Brasil.

A esperança dos governos é convencer os fabricantes de autopeças a investir no Uruguai, mas essas empresas têm receio de aplicar recursos se não houver uma montadora produzindo pelo menos 50 mil veículos por ano.

Para o setor privado, é quase impossível cumprir as exigências dos uruguaios, porque o comércio atualmente é francamente desfavorável para o país. Com a recuperação da economia do Uruguai, que sofreu a reboque da Argentina, as exportações do Brasil para o país de veículos e autopeças subiram de US$ 32,3 milhões sem 2003 para US$ 146 milhões em 2006, segundo a Secretária de Comércio Exterior (Secex). Já as importações vindas do Uruguai no setor automotivo caíram de US$ 11,7 milhões em 2003 para US$ 8,7 milhões em 2006. No total, o Uruguai amarga déficit de US$ 388 milhões com o Brasil, um dos motivos de insatisfação do país com o Mercosul.

O Uruguai também quer aumentar a cota de produtos que pode exportar com exigência menor de conteúdo local. Para o governo do país, isso é fundamental para atrair os investimentos de montadoras interessadas a se instalar no Uruguai e exportar para o Brasil. O anúncio da montadora Chery deu fôlego para os uruguaios negociarem.

O país quer ampliar a cota de veículos que se beneficiam do regime de origem menos rígido dos atuais 20 mil para 20,6 mil em 2008, com alta de 3% a cada ano. Para caminhões, os uruguaios pleiteiam aumento da cota de 800 para 2 mil unidades em 2008, também com aumento anual de 3%. O limite para aproveitar o benefício em autopeças subiria de US$ 65 milhões para US$ 100 milhões.

Em parceria com a Socma, do empresário argentino Franco Macri, a chinesa Chery anunciou que vai começar a montar carros no Uruguai a partir do ano que vem. A fábrica terá capacidade para 25 mil carros na primeira etapa e pode chegar a 100 mil em três anos. As montadoras instaladas no Brasil se apressam em fechar as portas do mercado nacional, embora acreditem que será difícil para o carro chinês emplacar, por conta da desconfiança do consumidor em relação à assistência técnica.

A empresa chinesa vai se beneficiar das regras de origem mais flexíveis para o Uruguai permitidas pelo Mercosul. No caso de modelos novos, é exigido apenas 30% de conteúdo local no primeiro ano, subindo gradualmente até alcançar 50% no quinto ano de operação, que é o padrão para o Uruguai, um percentual inferior ao do Brasil. Dos veículos brasileiros, é exigido 60% de conteúdo local.

Dada a dificuldade da negociação, o governo está em busca de benefícios reais que possam ser oferecidos aos uruguaios. É cogitado, por exemplo, favorecer a blindagem de carros no Uruguai, que depois seriam exportados para o Brasil. O mercado brasileiro de veículos blindados é de cerca de 6 mil unidades.