Título: É fato, de fato?
Autor: Roberto Troster
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2005, Opinião, p. A8

A percepção de que os bancos lucram às custas da pobreza do país é fato. Mas, é fato, de fato? Taxas de crédito exorbitantes, ganhos de tesouraria astronômicos e tarifas de serviços escorchantes propiciariam lucros astronômicos aos bancos em detrimento do restante da sociedade. Os números absolutos do setor bancário impressionam e comprovariam aquela primeira sensação. Só em 2003 foram R$ 94 bilhões em receitas de crédito, R$ 97 bilhões em receitas de tesouraria e R$ 28 bilhões em receitas de serviços bancários. O ponto do artigo é que as cifras acima mostram que a despesa da intermediação bancária é elevada para o país. Apesar de ter implicações negativas, o custo não se reflete em lucros extraordinários para o setor, refém de graves distorções. Alguns números são pertinentes. De cada R$ 1,00 de receitas dos bancos, R$ 0,925 são custos e apenas R$ 0,075 são transformados em lucros. A publicação Valor 1000, de 2004, apresenta cifras ilustrativas. A margem líquida - lucro sobre receita - é calculada para 27 setores. A maior é a de mineração, com uma margem de 30,9%, sendo que a média das margens dos setores é de 10,5%. A do setor bancário é de 7,5%, portanto, abaixo da média. A lucratividade média - lucro líquido sobre o patrimônio - dos bancos em 2003 foi de 15,9% e está abaixo dos 54,2% do setor de comércio exterior e praticamente na média de todos os demais setores que, de acordo com a Valor 1000 de 2004, foi de 15,2%. Em termos relativos, apesar do crescimento dos lucros dos bancos em 2003, seu desempenho esteve na média dos demais setores no Brasil e abaixo da média latino-americana, que de acordo com a revista "The Banker", foi de 23,9%. Em valores absolutos, os lucros de alguns bancos são altos porque se trata de empresas grandes, que operam em extensão continental, com centenas de milhares de empregados e dezenas de milhares de pontos de atendimento. Uma comparação com outros setores de abrangência nacional, como telefonia, comércio varejista e combustíveis, aponta resultados parecidos, em valores absolutos. A título ilustrativo, o Bradesco, o Itaú e o Banco do Brasil tiveram um lucro em 2003 da ordem de R$ 2,3 bilhões cada um, enquanto que o da Petrobras, sozinha, foi de R$ 17,5 bilhões, equivalente ao total do sistema bancário. Mas reclama-se muito do custo da indústria bancária e nada do setor petrolífero ou dos demais setores. Há uma explicação para esse paradoxo. O desempenho do setor bancário é dissonante. Por um lado, o setor é eficiente em prover serviços bancários e em gerir riscos, e por outro, tem uma oferta de crédito incompatível com as ambições de crescimento do país. Os serviços bancários brasileiros estão entre os melhores do mundo. O envio de uma Transferência Eletrônica Disponível (TED) custa, em média, quatro vezes menos que em outros países. Uma comparação ilustra o ponto: enquanto o envio de R$ 10 mil de São Paulo a Santarém custa cerca de R$ 11 e está disponível no destino em poucos minutos; um pacote de 1 kg enviado ou por correio ou por courier (DHL, Varig Log etc.) implica logística parecida, custa algo entre R$ 50 e R$ 100 e demora até cinco dias úteis para ser entregue.

Quanto maiores os juros básicos, riscos e demais custos, mais elevados são os valores cobrados pelos empréstimos

A solidez do sistema bancário brasileiro é ímpar. Nas últimas duas décadas, sobreviveu a turbulências macroeconômicas sem paralelos: mudanças de moedas em questão de dias, planos econômicos e volatilidade alta de juros e câmbio. À diferença de outros sistemas, o brasileiro conseguiu preservar a poupança pública e a moeda nacional nas crises vividas. Enquanto essas virtudes foram importantes para sobreviver às dificuldades de períodos anteriores, neste momento, em que se abre a possibilidade de crescimento, essas qualidades não compensam sua falha capital, que é o crédito caro e escasso. Atualmente, a relação crédito/PIB é de 27,5%, o que representa metade da mesma relação em outros países com um nível de renda parecido. Considerando a sofisticação das instituições nacionais, o quadro é mais crítico. Os bancos são essencialmente intermediários, que devem remunerar os depositantes, cobrir seus custos e riscos para ter uma margem positiva. Quanto maiores os juros básicos, os riscos e os demais custos, mais elevados serão os valores cobrados por empréstimos e menor será sua oferta. Há vários fatores - entraves institucionais, informalidade, subsídios cruzados e tributação - que pressionam os custos e riscos dos bancos. O caso da tributação é emblemático: uma visão focada em extrair riqueza da intermediação bancária a curto prazo, em função de pacotes econômicos, resultou num verdadeiro Frankenstein tributário. Numa operação de um mês, em que o investidor aplique recursos e receba volta apenas o principal, de modo que o banco não tenha nem custos nem lucros, que a taxa Selic seja zero e que não haja inadimplência, a taxa anualizada da mesma é 29,40%, por conta do PIS, Cofins, IOF, IRF, CPMF, depósitos compulsórios e FGC. É um absurdo, numa operação que não gera valor, tampouco renda e lucro, uma taxa de 29,40% ao ano! Analogamente, há um ônus elevado com os subsídios cruzados: depósitos compulsórios, créditos subsidiados a setores específicos e obrigações burocráticas triviais. São apropriações de riqueza impostas ao setor bancário, resultado de um paradigma equivocado, que implicam um custo de crédito maior ao restante da sociedade. O setor bancário é encarado de duas formas, que se excluem mutuamente: a estática e a dinâmica. A primeira é uma visão arcaica e extrativista, que percebe o patrimônio dos bancos esgotável, em que a prescrição de política é de extrair o máximo possível, a curto prazo. A outra maneira de ver é entender a utilidade do setor bancário em gerar e multiplicar riqueza para toda a sociedade. A evidência empírica e a literatura econômica são conclusivas e provam que o entendimento dinâmico é o correto. Países com rendas mais elevadas têm proporcionalmente mais crédito e a relação de causalidade vai do crédito abundante para a geração de riqueza. O discurso panfletário, retrógrado e extrativista deve ser substituído por uma análise dinâmica, atual e consistente com a realidade e o potencial do país. É fato.