Título: Dilma busca associar papa à política social
Autor: Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2013, Internacional, p. A13

Em sua viagem à Itália, para participar do missa inaugural do papa Francisco, a presidente Dilma Rousseff tem batido numa única nota: o anunciado, porém ainda simbólico, compromisso maior desse papa com os pobres. Sobre outros temas, a presidente tem falado pouco. E quando fala, é vaga e evasiva. Hoje Dilma se reúne com o papa no Vaticano.

Com suas declarações, a presidente parece querer associar uma eventual guinada da Igreja Católica com Francisco a programas contra a fome e a pobreza postos em prática pelos governos petistas no Brasil. É como se a Igreja Católica agora endossasse essa política e, desse modo, apoiasse implicitamente o governo Dilma.

"Eu acho que se espera de um papa, de um representante de uma religião como a católica, esse compromisso com os mais frágeis", afirmou a presidente ontem em Roma. "A opção preferencial pelos pobres tem a ver com o nosso continente, que está passando por um processo de superação da pobreza (....) É uma contribuição da América Latina para o mundo", disse Dilma, numa associação velada das primeiras declarações de Francisco com as políticas sociais dos governos de esquerda na região.

O papa voltou a falar ontem de sua preocupação com os pobres na homilia da missa de inauguração de seu papado, a sua primeira missa pública. Ele pediu respeito e cuidado a todos e por cada um, "especialmente pelas crianças e pelos idosos" e pelos "mais pobres e mais fracos".

Até agora esse compromisso se traduziu apenas em gestos simbólicos, como o pedido para que os argentinos não viessem à cerimônia inaugural e, em vez disso, doassem o dinheiro da viagem para ajuda aos pobres. Obviamente, com menos de uma semana à frente da Igreja Católica, seria um exagero esperar mudanças mais profundas.

Com seu estilo simples e despojado (especialmente em comparação a seu antecessor, o pomposo Bento XIV), Francisco rapidamente se tornou muito popular, um fenômeno de mídia. E Dilma está se esforçando para colar sua imagem à desse papa pop.

Hoje, a presidente terá um encontro privado com o papa. A reunião, decidida de última hora, está marcada para as 10h30 (hora local, 6h30 em Brasília), na Casa Santa Marta, onde o papa está morando até que a reforma do palácio Apostólico para o novo pontífice fique pronta.

"Tenho uma boa expectativa", disse Dilma a respeito do encontro com Francisco. "Vamos ter no Brasil a Jornada [Mundial] da Juventude, que eu tenho a impressão que é o maior evento que o papa vai participar. Esse vai ser o tema central [do encontro]", afirmou.

Fora isso, a presidente fez pouco nos seus três dias na Itália com comitiva que inclui quatro ministros. Além de turismo, visitou a FAO, agência da ONU para agricultura e alimentação, e reuniu-se com os presidentes da Itália e da Eslovênia. Esses compromissos foram agendados às pressas e não tinham agenda preliminar. Ontem à noite, recebeu uma visita surpresa, de menos de dez minutos, da presidente da Argentina, Cristina Kirchner.

Dilma falou muito pouco sobre esses compromissos. Sobre o encontro com Napolitano, disse que trataram da crise em Chipre, que é "preocupante" e de acordos de cooperação. Na FAO, voltou ao tema da fome, dizendo que a América Latina tem tecnologia de combate à fome e que falaria disso com o papa. Quanto à visita de Cristina, a versão oficial é que a presidente argentina foi apenas se despedir.

Na única entrevista coletiva formal, brevíssima, realizada ontem e pensada para a TV, o discurso foi novamente único: papa e combate à pobreza e à fome.