Título: Reino Unido insiste na austeridade
Autor: Bryan-Low, Cassel; Forelle, Charles
Fonte: Valor Econômico, 20/03/2013, Especial, p. A18

A economia britânica mal cresceu em três anos, e no mês passado o país perdeu sua preciosa pontuação de crédito "triplo A" da Moody"s Investors Service, o que provocou crescentes apelos por uma mudança na política econômica. Mas quando anunciar o Orçamento anual, hoje, o titular do Tesouro do Reino Unido, George Osborne, deve expressar uma mensagem clara: a manutenção do curso atual.

Desde que assumiu o cargo em 2010, Osborne e o primeiro-ministro David Cameron, ambos conservadores, fizeram uma aposta ousada em amplos cortes de gastos governamentais, afirmando que são essenciais para impedir que o Reino Unido compartilhe o destino da Grécia e de outros governos da zona do euro, obrigados a aceitar dolorosas operações de socorro após colapsos econômicos.

Governos em toda a Europa estão aplicando medidas de austeridade, mas o Reino Unido está entre os acompanhados mais de perto. Os britânicos foram um dos primeiros a adotar tais medidas e, ao contrário de alguns de seus vizinhos ao sul, não foram obrigado a implementar a austeridade como parte de planos de socorro.

Os resultados não foram bons. A economia encolheu mais que o esperado, no fim do ano passado, mantendo o crescimento anual inalterado e o país enfrenta a perspectiva de seu terceiro ano de recessão em quatro anos. A economia continua 3,3% menor do que no primeiro trimestre de 2008.

O fraco crescimento está prejudicando a receita tributária, o que agrava o déficit orçamentário que a austeridade deveria, supostamente, corrigir. O governo teve de tomar mais empréstimos do que previsto para tapar esse buraco.

Um crescente coro de economistas afirma que as políticas de austeridade são errôneas e que é hora de abrandar os cortes e autorizar gastos do governo para dar um impulso à estagnada economia, mesmo que isso implique aumento do endividamento.

O governo, "sem base racional, entrou em pânico diante das empresas de classificação de crédito e da possibilidade de imitar a Grécia" e subestimou em que medida a austeridade prejudicaria o crescimento, disse Jonathan Portes, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social, um respeitado centro de estudos. Outro erro, acrescentou ele, "foi não ajustar a política depois que ficou claro terem errado na avaliação dos riscos".

A recomendação de Portes é a mesma feita por um número crescente de outros analistas: "levantar empréstimos e gastar".

Essa é uma mensagem de difícil aceitação por Osborne e muitos colegas conservadores, para quem disciplina orçamentária é um princípio fundamental. A teoria dizia que uma política monetária frouxa ajudaria a disponibilizar crédito mais barato ao setor privado, proporcionando um estímulo para compensar quaisquer efeitos negativos da redução dos gastos públicos. Mas isso não aconteceu, e o crédito continua limitado.

São crescentes as pressões para que seja antecipada a reversão dos cortes drásticos nos gastos de capital. Um ministro do governo pertencente ao Partido Liberal Democrata, parceiro minoritário na coalizão governamental, pediu mais investimentos em projetos de construção civil para impulsionar a economia. Boris Johnson, conservador que é prefeito de Londres, pediu recentemente ao governo que "descarte a retórica da austeridade" e canalize as economias obtidas com os cortes para projetos que estimulem o crescimento, por exemplo, nos setores de habitação e transportes.

No início deste mês, a comissão parlamentar britânica responsável pela supervisão das despesas do governo criticou Cameron e seu grande aliado político, Osborne, por não compreenderem plenamente o impacto dos cortes de gastos que promoveram, acusando-os de concentrarem-se em áreas que podiam ser cortadas rapidamente, como em gastos com infraestrutura.

Por outro lado, alguns membros do Partido Conservador estão defendendo mais cortes de impostos, cobertos por congelamento de gastos públicos ou por cortes mais profundos na seguridade social.

No domingo, Osborne disse que o Reino Unido não é o único país que está enfrentando um crescimento mais lento do que o esperado e que não existe "resposta fácil" para os problemas do Reino Unido, mas que o governo está "no caminho certo". Falando em um programa da British Broadcasting Corp (BBC), Osborne afirmou: "Não podemos sair da crise da dívida assumindo mais e mais empréstimos". Ele acrescentou que o governo já realizou alguns aumentos de gastos com infraestrutura.

Embora não se acredite que Osborne irá anunciar hoje uma mudança na estratégia, ele poderá adotar algumas pequenas medidas novas, como esforços no sentido de ampliar o crédito concedido a compradores de casas.

Ele e Cameron apostaram suas reputações na implementação de um programa de austeridade. As pesquisas mostram que os dois continuam sendo vistos como mais confiáveis como gestores da economia do que seus oponentes trabalhistas, o principal partido da oposição, apesar de essa confiança estar em declínio.

Osborne e Cameron dizem que seu plano econômico está funcionando, ainda que esteja levando mais tempo do que eles esperavam (para produzir resultados). Ambos citam a criação de um grande número de empregos no setor privado e dizem que a decisão de reorientar a economia para estimular exportações está começando a dar frutos. Sua estratégia, dizem, permitiu-lhes reduzir em 25% o déficit orçamentário - que, em torno de 11% do PIB em 2010, era um dos maiores entre as economias ocidentais.

"O enfrentamento do déficit nos dá a credibilidade, nos mercados mundiais, de que manteremos baixas as taxas de juro", disse Cameron em recente discurso em Yorkshire. "Não existe alternativa a enfrentar nosso endividamento e planejar para o crescimento."

Em torno de 2%, o custo de financiamento do governo para dez anos está em mínimos históricos. Kevin Daly, economista-chefe do Goldman Sachs no Reino Unido, diz que a manutenção dos esforços de consolidação orçamentária é importante para manter baixos esses juros. O fato de o Reino Unido ter sua própria moeda e seu próprio banco central proporciona aos britânicos mais liberdade do que desfrutam os países da zona euro sob a influência do Banco Central Europeu, disse ele, mas "quando se parte de uma posição onde o déficit equivale a 11% do PIB, não é possível esticar a margem de manobra muito além, ou esse grau de liberdade sofre um colapso".

Mas muitos economistas argumentam que o governo deveria aproveitar as baixas taxas para tomar empréstimos e financiar gastos extras para ajudar a economia.

Roger Bootle, fundador da Capital Economics, uma firma de consultoria em Londres, disse que apoiou o corte orçamentário de Osborne em 2010 porque o governo teve de estabelecer sua credibilidade, mas agora diz que "as coisas sem dúvida mudaram". Ele defende focar mais intensamente os gastos atuais em programas que gerem crescimento; tentar estimular o setor privado, talvez através de cortes de impostos; e aceitar maior endividamento para financiar o investimento público.

"Os mercados não vão, de uma hora para outra, passar a cobrar 10%, em vez dos 2% atuais, por causa de alguns bilhões a mais", diz Bootle. "Osborne fica andando por aí apegado à sua credibilidade como se fosse um vaso ming." Organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional também pediram que Osborne diminua o ritmo da austeridade. Nos últimos meses, economistas do FMI publicaram uma pesquisa - um verdadeiro divisor de águas conceitual - indicando que a austeridade na Europa teve um efeito muito mais nocivo sobre o crescimento do que sugerido por modelos econômicos amplamente utilizados.