Título: EUA têm déficit de investimentos inédito
Autor: Crutsinger, Martin
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2007, Internacional, p. A17

O déficit comercial dos EUA em sua medida mais ampla atingiu a maior alta histórica em 2006 e, pela primeira vez, o país registrou até mesmo um déficit na receita de investimentos. O Departamento do Comércio informou ontem que o desequilíbrio da conta corrente cresceu 8,2% para US$ 856,7 bilhões, representando um recorde de 6,5% da economia total.

É o quinto ano consecutivo que o déficit em conta corrente estabelece um recorde.

Os fluxos de investimentos passaram de positivos em US$ 11,3 bilhões em 2005 para negativos em US$ 7,3 bilhões no ano passado. Foi a primeira vez que a receita de investimentos ficou negativa desde 1929. Isso significa que os estrangeiros ganharam mais com suas posições nos EUA do que os americanos com seus investimentos fora do país.

Os EUA vinham registrando déficits comerciais ano após ano desde 1976, mas até o ano passado o país ainda vinha conseguindo registrar um superávit nos investimentos.

Analistas disseram que o resultado ficou negativo por causa do grande número de ativos americanos que foram transferidos para mãos estrangeiras ao longo das últimas três décadas, para pagar a importação de automóveis, vestuário e produtos eletrônicos que os consumidores americanos adoram comprar.

A administração Bush afirma que o grande número de ativos americanos em mãos de investidores estrangeiros é um sinal de força. Mas muitos economistas temem que os estrangeiros possam de repente decidir que não querem ter em mãos tantas ações, bônus ou outros ativos americanos.

Uma saída acelerada desses ativos poderia levar o valor do dólar em relação a outras moedas e os preços das ações a caírem, elevando ao mesmo tempo as taxas de juros. Se essa ruptura fosse muito séria, ela poderia lançar o país em uma recessão.

"A esperança é que a transição para um déficit em conta corrente menor aconteça sem sobressaltos, mas o perigo é que as pessoas parem de emprestar dinheiro aos EUA, antes de começarem a comprar nossos produtos", disse David Wyss, principal economista da agência de classificação de crédito Standard & Poor's (S&P) em Nova York.

A conta corrente é a medida mais ampla do comércio porque cobre não só o comércio de bens e serviços, como também os fluxos de investimentos entre os países. Ela também representa o volume de ativos americanos transferidos para mãos estrangeiras para cobrir a diferença entre as exportações e as importações americanas.

Os democratas afirmam que o déficit em conta corrente é uma evidência de que o controle dos EUA sobre seu destino econômico está sendo transferido para países como a China e o Japão, que detêm quantidades consideráveis de bônus do governo americano e outros ativos.

"Nossa segurança econômica não deveria estar nas mãos da China ou da Arábia Saudita, ou qualquer outra entidade, pelo fato da atual administração não conseguir controlar os gastos do governo e por ela não ter conseguido negociar com eficiência acordos comerciais ao redor do mundo", disse o senador Charles Schumer, democrata eleito por Nova York e um dos principais críticos das políticas comerciais do presidente George W. Bush.

O novo relatório indica que o déficit em conta corrente dos três últimos meses do ano mostrou uma melhoria, caindo 14,6% para US$ 195,8 bilhões, depois de atingir o recorde de US$ 229,4 bilhões no terceiro trimestre. A melhoria refletiu uma grande queda nos preços do petróleo em relação aos patamares recordes registrados no terceiro trimestre de 2006.

Embora o déficit em conta corrente tenha atingido um novo recorde para os últimos cinco anos, economistas afirmaram que há sinais de que o desequilíbrio poderá diminuir um pouco este ano. O economista Nigel Gault, da Global Insight, prevê que o déficit em conta corrente de 2007 vai encolher um pouco, para US$ 807 bilhões, a primeira queda desde 2001.

O déficit de US$ 856,7 bilhões em 2006 significa que os EUA transferiram mais de US$ 2 bilhões por dia para os estrangeiros no ano passado, para financiar o rombo nas relações comerciais. Até agora, os estrangeiros se mostraram satisfeitos em vender televisores, automóveis e roupas para os EUA e manter dólares em troca, dinheiro que vem sendo investido em títulos do Tesouro americano, ações de companhias americanas e outros ativos.

Em 2006 como um todo, os EUA tiveram um déficit no setor industrial de US$ 836 bilhões, um superávit no setor de serviços de US$ 70,7 bilhões e um déficit nos fluxos de receita de US$ 7,3 bilhões. Além disso, o governo pagou US$ 84,1 bilhões em uma categoria conhecida como transferências unilaterais, que cobre a ajuda estrangeira. A administração Bush já alertou para um possível surto protecionista que poderia ser provocado pelo enorme déficit comercial.

Mas os democratas, que em novembro ganharam o controle da Câmara dos Deputados e do Senado pela primeira vez em 12 anos, afirmam que o governo precisa se esforçar mais para proteger os trabalhadores americanos da competição injusta dos países de baixa renda com regras trabalhistas e regulamentações ambientais frouxas.