Título: No NE, dona de casa já pechincha mais
Autor: Martins, Diogo
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2013, Brasil, p. A4

A aposentada Maria Isabel da Silva, 65 anos, costuma ir às compras na hora do almoço, quando cai o movimento no mercado público de Casa Amarela, bairro da zona norte do Recife. O sol do meio-dia, por outro lado, torna mais penosa a caminhada em busca das melhores ofertas. A dona de casa nordestina teve de intensificar a pechincha nos últimos tempos, em razão da disparada nos preços da cesta básica na região. Nos 12 meses encerrados em fevereiro, a alta foi de 28,6%, ante uma média nacional de 21,4%.

Itens obrigatórios na mesa do nordestino, a farinha de mandioca e o feijão são os mais citados quando a pergunta é o que ficou mais caro. Números do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que em fevereiro deste ano o preço médio da farinha nas três principais capitais do Nordeste (Salvador, Recife e Fortaleza) era 139% maior do que no mesmo mês de 2012. No caso do feijão, a alta foi menor, mas, ainda assim, relevante: 20%. Em Recife, o grão ficou 33% mais caro em um ano.

Parte importante da alta registrada nos últimos 12 meses pode ser atribuída à seca que atinge o interior do Nordeste. Normalmente restrita ao Semiárido, a atual estiagem chegou a regiões com atividade agropecuária mais intensiva, caso do Agreste. Além da mandioca e do feijão, as cadeias do milho e do leite foram afetadas, influenciando a formação dos preços desses produtos e dos derivados.

A inflação da cesta básica nordestina também tem origem no ciclo econômico local, mais sensível à expansão do salário mínimo e dos programas de transferência de renda. "Esse dinheiro vai terminar na feira", resume o economista Jorge Jatobá, da consultoria pernambucana Ceplan. O crescimento da renda explica por que o Nordeste puxa a alta da cesta básica nos últimos anos. Segundo o Dieese, o reajuste na região foi de 58% entre fevereiro de 2008 e igual mês deste ano, ante média nacional de 53%.

A capital pernambucana lidera o ranking, com alta de 62% em cinco anos. Em seguida aparecem Fortaleza (61%), Salvador (61%), Natal (60%) e João Pessoa (58%). No mesmo intervalo, o preço da cesta básica subiu 44% em São Paulo e 47% em Brasília, cidades com os menores reajustes entre as que têm os preços colhidos pelo Dieese.

"Não pensei que ia subir tanto", confessa a aposentada Maria Isabel, que recebe um salário mínimo de benefício. Para não faltar nada em casa, ela pechincha mais e compra menos. Reclama que frutas e verduras estão mais caras. No Recife, o preço do tomate subiu 123,5% nos últimos 12 meses. Em Fortaleza, a alta foi de 160%. "O pobre já não se alimenta bem, se sobe desse jeito o preço dos alimentos saudáveis, como é que faz?"

Maria Isabel está bem informada sobre a desoneração dos impostos federais incidentes sobre a cesta básica, mais diz que ainda não percebeu queda nos preços. O comerciante Abraão Barbosa, que vendia feijão à aposentada, disse que os fornecedores ainda não tinham reduzido os preços. "Se o preço cair para mim, vou repassar para os meus clientes. É do meu interesse", disse.

Jatobá, da Ceplan, desconfia do repasse integral da desoneração da cesta. Isso vai depender, segundo ele, do grau de concorrência e do comprometimento dos comerciantes com o governo. Algumas grandes cadeias de supermercados já anunciaram o repasse, mas há dúvida sobre a disposição das redes regionais e comerciantes de menor porte.

Assim como acontece com a cesta básica, os serviços, que não sofrem a concorrência dos importados, também ficaram mais caros no Nordeste. "Você não vai sair daqui pra cortar o cabelo na Europa", diz Jatobá. No ano passado, a inflação medida pelo IPCA acumulou 6,8% no Recife, terceira mais alta do país. Segundo o economista, boa parte desse aumento é explicada pelos serviços.