Título: Investimento direto cresce e vai a US$ 33,4 bi
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2007, Brasil, p. A4

O fluxo de investimentos estrangeiros diretos para o Brasil voltou a se destacar nos últimos meses. O ingresso bruto - o líquido exclui as repatriações de capital feitas pelas empresas multinacionais - atingiu US$ 33,4 bilhões nos 12 meses terminados em janeiro. Esse valor é muito próximo da média de US$ 34,6 bilhões registrada entre 1998 e 2001, quando a privatização dos setores de telefonia e energia e de alguns bancos estaduais provocou uma entrada recorde de recursos externos.

"Os números mostram que o Brasil continua no páreo", diz o diretor de pesquisa macroeconômica do Bradesco, Octavio de Barros. Para ele, o fluxo bruto para atividades produtivas é um indicador que mede o apetite "absoluto" do investidor estrangeiro pelo país, ao passo que o líquido é uma melhor medida para analisar a disponibilidade de moeda estrangeira.

Barros acredita que há oportunidades muito interessantes de investimento nos setores ligados às áreas de infra-estrutura e commodities e nos que são voltados ao mercado interno. "O Brasil é uma economia em franco processo de normalização, com estabilidade inflacionária, juros em queda, a caminho do grau de investimento e com uma democracia robusta", afirma ele, listando os fatores que tornam o país atraente para as companhias estrangeiras, a despeito de problemas como a carga tributária elevada e a dificuldade de fazer negócios por aqui.

Em 2006, os segmentos que registraram maior ingresso de investimentos estrangeiros para participação no capital (que não incluem empréstimos intercompanhias) foram os de intermediação financeira (onde estão os bancos), com US$ 2,9 bilhões, o de eletricidade, gás e água quente, com US$ 2,3 bilhões, o de metalurgia básica (que inclui siderurgia), com US$ 1,7 bilhão, e o de celulose e papel, com US$ 1,6 bilhão.

Outro número interessante: do total de investimentos em participação no capital, o volume para a industria cresceu de 30,2% em 2005 para 38,5% em 2006. O setor industrial ganhou espaço do de serviços, em que houve queda de 59,7% para 54,5%, e do de agricultura, pecuária e extrativa mineral, com recuo de 10,1% para 7%.

O setor de metalurgia básica abocanhou, em 2006, 7,7% dos investimentos em participação no capital, bem mais que o 1,4% do ano anterior. Entre os serviços, o setor de eletricidade - importante no segmento de infra-estrutura - viu sua participação no bolo saltar de 7,3% para 10,5%.

O fluxo líquido de investimentos estrangeiros diretos (que desconta a saída) também mostra recuperação, batendo em US$ 19,7 bilhões nos 12 meses até janeiro. Mesmo assim, ainda está bastante abaixo do ingresso bruto por causa das elevadas repatriações de capital, feitas principalmente em 2005 e 2006. Nos 12 meses até janeiro, elas atingem US$ 13,7 bilhões. Em 2000, quando houve o fluxo líquido recorde de US$ 32,8 bilhões, as repatriações foram bem menores: US$ 7,5 bilhões.

Para Barros, as elevadas saídas atuais se devem ao que ele chama de "oportunismo cambial", movimento pelo qual a matriz decide repatriar recursos aproveitando a valorização da moeda, uma vez que, com uma taxa apreciada, os reais compram mais dólares. Por esse raciocínio, a maior parte dessas saídas não significa um maciço abandono do país.

Os números sobre o ingresso e a saída de investimentos diretos em 2006 parecem confirmar a hipótese: os setores com as maiores repatriações foram os de eletricidade (US$ 1,6 bilhão) e o de intermediação financeira (US$ 1,1 bilhão) - os mesmos que tiveram os maiores ingressos. Se há quem esteja disposto a repatriar parte do investimento nesses segmentos, há também quem esteja interessado em aumentar a presença no país.

Barros diz que o volume bruto de US$ 33,4 bilhões em 12 meses é expressivo. "O Brasil continua sendo uma fonte importantíssima de recebimento de investimentos diretos, figurando há tempos entre os destinos preferenciais no mundo depois da China." A diferença, nota ele, é que hoje o Brasil não tem mais áreas de investimento "virgens" ou praticamente inexploradas, situação bem diferente do que a do país asiático que mais atrai dinheiro entre os emergentes. "Os recursos que vêm ao Brasil acabam servindo para reforçar setores e atividades já existentes." Na China, o fluxo líquido em 2006 atingiu US$ 70 bilhões, bem acima dos US$ 18,8 bilhões no Brasil.

Por aqui, o recorde de ingresso bruto de investimentos diretos em 12 meses ocorreu em julho de 1999, atingindo US$ 40,6 bilhões, bastante influenciado pelas privatizações. Entre 1998 e 2001, no auge da venda de estatais, a média do fluxo em 12 meses foi de US$ 34,6 bilhões, próximo do atual volume. "Se levarmos em conta que não há empresas sendo privatizadas neste momento, o ingresso bruto de investimentos pode ser considerado muito favorável", diz Barros.

"É como se o apetite estrangeiro por ingressar em negócios no lado real da economia não tivesse se alterado em relação ao momento de pico destes investimentos. O mundo empresarial entende que qualquer empresa grande não pode estar fora do Brasil neste momento, a despeito dos desafios que o país tem que superar", acrescenta.

O professor Fernando Ribeiro, da PUC-São Paulo e do Mackenzie, diz que é uma questão estratégica para as multinacionais manterem presença no Brasil dado o tamanho da economia. O fato de o país ter vantagens comparativas em áreas como a produção de commodities também atrai capital, diz ele. Por fim, há alguns setores manufatureiros em que o Brasil conta com mão-de-obra razoavelmente especializada, o que também interessa ao investidor estrangeiro.

Para Barros, o Brasil é especialmente atraente e competitivo em setores como os de commodities, o que ajuda a explicar os ingressos expressivos para as áreas de metalurgia básica e celulose e papel em 2006. Ele acredita que o segmento de etanol também poderá receber fluxos significativos, devido à febre dos biocombustíveis. Barros também é otimista quanto às perspectivas para a infra-estrutura. O segmento é uma das prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e deverá ser um dos destaques nos próximos anos.

Ele cita ainda setores vão se beneficiar da recuperação da demanda interna, como o comércio, que recebeu US$ 1,485 bilhão de investimentos diretos em 2006. Por fim, o boom imobiliário deve continuar a atrair a atenção do estrangeiro. No ano passado, o ingresso de recursos para participação em capital em atividades imobiliárias ficou em US$ 1,404 bilhão.

Ribeiro diz que o Brasil tem atrativos para o capital estrangeiro, mas lembra um outro fator que também explica o recente aumento dos investimentos diretos: o crescimento global desses fluxos, como mostram os números da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). Em 2006, o volume de investimentos diretos no mundo cresceu 34,3% em relação ao ano anterior, para US$ 1,23 trilhão. Foi o terceiro ano de alta, empurrado pelo crescimento da economia global e dos lucros das empresas.