Título: IED e Ibovespa em lados opostos
Autor: Zampieri, Aline Cury
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2013, Finanças, p. C1

De um lado, Ibovespa em queda. Do outro, Investimento Estrangeiro Direto (IED) em nível recorde. Dois dos principais indicadores de confiança na economia local traçam rotas opostas neste começo de ano, num descasamento que começou com o estouro da crise financeira mundial, em 2008. Enquanto o IED costuma refletir a confiança de longo prazo na economia, a bolsa é um indicador antecedente de confiança, mais sujeito aos humores de curto prazo.

Para a maioria dos especialistas consultados, o IED tende a se manter nos níveis atuais, e há mais chances de o Ibovespa passar por uma correção para cima.

Entre 2000 e 2008, período em que a economia brasileira acelerou o crescimento, a correlação entre IED e bolsa foi positiva. Os dois indicadores caminharam juntos. Em maio de 2008, um pouco antes do início da pior fase da crise mundial, tudo mudou. Afetado rapidamente pela crise, o Ibovespa despencou do nível máximo que havia atingido em 20 de maio daquele ano, nos 73.516 pontos, e foi buscar o fundo em 29.435 pontos em 27 de outubro do mesmo ano, uma queda de 60%.

"Na crise, a correlação se inverteu porque as ações refletem mais rapidamente as dificuldades", diz Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs. "O IED tem uma visão para além dos ciclos de crise", comenta.

O IED, medido pelo saldo nos últimos 12 meses, demorou a refletir a nova realidade. Enquanto o Ibovespa caía vertiginosamente, o IED ainda subia. Só começou a recuar no fim de 2009, quando o Ibovespa iniciava recuperação.

O diretor-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luís Afonso Lima, conta que o IED no acumulado de 12 meses tem a vantagem de mostrar números menos voláteis, mas a desvantagem de agregar informações atrasadas. Ele lembra que nos projetos de IED, que são investimentos de longo prazo, as decisões são tomadas antes e o dinheiro vai entrando no país em parcelas. "Quando chega a crise, o Ibovespa é mais rápido, tem uma reação imediata a problemas, mas o investidor em um grande projeto não vai interrompê-lo por causa da crise."

Neste momento, o gráfico de IED versus Ibovespa mostra duas linhas emaranhadas e sem tendência. Na ponta recente, entretanto, ambos têm inclinação para baixo. O Ibovespa cai 6,7% neste ano. Para analistas, a tendência é que a correlação se ajuste no pós-crise, e volte a ser positiva. Um fato é certo: boa parte da queda do Ibovespa neste ano vem das vendas dos investidores locais. O saldo de capital externo em 2013 é positivo em R$ 7,9 bilhões. Os estrangeiros estão na Bovespa, mas comprando ações fora do índice.

É o que espera Reginaldo Alexandre, sócio da consultoria Proxycon e presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec). "Não acredito em queda do investimento estrangeiro direto. Há uma série de projetos em andamento no Brasil e os estrangeiros devem participar desse processo", diz.

Os investimentos estrangeiros fecharam 2012 com ingressos de US$ 65,272 bilhões, segundo maior volume da história. Em números absolutos, perdem para os ingressos de 2011, de US$ 66,660 bilhões. Mas, em termos relativos, são maiores, já que o PIB em dólares encolheu 8,6% em virtude, sobretudo, da desvalorização cambial entre 2011 e 2012. No ano passado, o Brasil foi o quarto maior destino de IED do planeta, atrás apenas de Estados Unidos, China e Hong Kong - na verdade, terceiro, uma vez que China e Hong Kong são o mesmo destino. Como proporção do PIB, os ingressos de IED em 2012 equivalem a 2,89% do PIB, maior que os 2,69% do PIB de 2011.

Apesar disso, nesse mesmo critério, o Brasil tem perdido espaço quando comparado com outros países da América Latina. Na comparação com economias cujos números de 2012 já são conhecidos, o montante de IED do Brasil em relação ao PIB perde para Chile (9,84%), Peru (5,49%) e Colômbia (4,32%), segundo levantamento do Valor Data. Mas ganha da Argentina (2,23%) e do México (1,50%).

O investimento direto em algumas nações latino-americanas mostra tendência de alta. A dúvida é saber se isso implicará redução de fluxos para o Brasil. Em 2000, o Chile, por exemplo, recebeu o equivalente a 6,26% do PIB. No mesmo ano, o Peru registrou apenas 1,52% do PIB e a Colômbia, 2,44%. É para esses países do continente que os fluxos de IED mais crescem. O Brasil, no mesmo período, teve redução relativamente ao tamanho da economia - de 5,08% para 2,89% do PIB.

Na divulgação do fluxo global de IED, no fim de janeiro, a Unctad estimou queda de 18% no ano passado, para US$ 1,3 trilhão, mas projetou recuperação, para US$ 1,4 trilhão em 2013 e US$ 1,6 trilhão em 2014. Em 2012, os fluxos para economias em desenvolvimento superou, pela primeira vez, os destinados a países maduros. O órgão das Nações Unidas calcula que os mercados em desenvolvimento receberam US$ 680 bilhões em 2012, segunda maior cifra registrada. Já as economias desenvolvidas tiveram US$ 548 bilhões.

"Há muito investimento represado para o Brasil. Basta o governo conversar com os empresários e dar segurança jurídica que o dinheiro volta", diz Paulo Bittencourt, diretor técnico da Apogeo Investimentos, que espera recuperação do Ibovespa no segundo semestre.

Os efeitos dos embates entre governo e empresas desde o ano passado, dizem os especialistas, acabaram sendo sentidos nas companhias abertas, que justamente fazem parte desse mercado mais líquido e volátil, que é a bolsa. Discussões sobre preço de combustíveis, concessões do setor elétrico, regras de mineração e spreads dos bancos pressionaram os principais papéis do Ibovespa, levando à queda recente, diz Tony Volpon, diretor e chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities International.

Do outro lado, diz Volpon, o IED, além de registrar investimentos em empresas grandes de capital fechado, reflete um segmento em franca expansão no país, que é o de serviços. "Há muito investimento para fusões e aquisições."