Título: Instabilidade tem atraído investidor para prefixado
Autor: Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2013, Finanças, p. C2

Para Paulo Valle, do Tesouro, alta das taxas tem cativado tanto investidor local quanto estrangeiros para papel longo

A instabilidade das taxas de juros, observada nos últimos dias, não coloca em risco o cumprimento do Plano Anual de Financiamento (PAF) deste ano. Para o subsecretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, a alta dos juros de longo prazo tem atraído investidores para esses papéis, tanto estrangeiros quando locais, em busca de um rendimento mais alto. "Os fundos de investimento ficavam bem tranquilos, quando os juros eram mais altos, porque era fácil tomar a decisão e aplicar em títulos. Agora, a ponta curta perde da poupança."

Segundo informações do mercado, as Notas do Tesouro Nacional - série F (NTN-F), papéis prefixados de longo prazo, vem sendo negociadas com deságio em relação ao DI futuro, o que é uma situação rara, já que o investidor pede sempre um prêmio em cima do juro futuro para comprar o papel do Tesouro. Na sexta-feira, a NTN-F rendia 0,27 ponto percentual a menos do que o DI de mesmo prazo. A seguir, os principais pontos da entrevista concedida por Valle ao Valor, por telefone:

Valor: O mercado ingressou em um período de forte volatilidade dos juros. De que forma isso tem afetado a estratégia de gestão da dívida mobiliária?

Paulo Valle: É lógico que, toda vez que há uma ameaça de um ciclo monetário, há uma certa volatilidade para o mercado e, de certa forma, afeta o nosso leilão. Mas como a nossa estratégia, definida pelo Plano Anual de Financiamento (PAF), é para o ano, não é nada que nos preocupe. A gente acha que rapidamente vai estar precificado e vai voltar para a normalidade. Pode subir um pouco a taxa, ou não, mas a precificação deve ser rápida e não chega a atrapalhar nossa estratégia. Nos ciclos monetários, enquanto o mercado está tentando entender qual é o momento, o ponto e a amplitude do ciclo, há algum tipo de volatilidade e, assim que as coisas se ajustem, a demanda natural pelos títulos volta. Isso é comum tanto no ciclo de alta quanto no de baixa. Então, esse movimento, se ocorrer, não será nada diferente do que observamos em outros anos.

Valor: A inflação mais alta é apontada como uma razão de incerteza e aumento de risco. De que maneira o investidor pode reagir a essa situação?

Valle: Nada relevante. O que a gente faz, em algum dia específico, com volatilidade maior, é até diminuir a oferta. Mas já aconteceu de ter dias em que a gente compensou, com uma demanda acima do que estava no cenário básico. No último leilão, houve uma demanda bem significativa para papel prefixado de longo prazo, que foi acima do cenário básico. Então, tem, sim, uma volatilidade maior, mas nada que não esteja dentro do previsto.

Valor: E quem está comprando esse papel mais longo? É o estrangeiro?

Valle: A demanda de estrangeiro aumentou do fim de janeiro para cá. Agora, a demanda não vem só de estrangeiro. É difícil falar, porque às vezes vem do local que já vendeu o papel para o estrangeiro e depois repõe. Mas que houve um aumento de demanda de estrangeiro de fevereiro para cá por papel mais longo, houve. O que estamos observando também é que estão sendo atraídos cada vez mais outros investidores que antes não iam para essa ponta longa. Em particular, entidades de previdência e fundos de investimento. Os fundos de investimento ficavam bem tranquilos, quando os juros eram mais altos, porque era fácil tomar a decisão e aplicar em títulos. Agora, a ponta curta perde da poupança. É um movimento parecido com o que aconteceu com as NTN-Bs. Toda vez que o papel abria um pouquinho, os fundos corriam e compravam, pensando que poderia ser a última oportunidade [de ganhar um rendimento mais elevado]. Isso pode estar acontecendo também com os prefixados mais longos.

Valor: Já em janeiro, a participação dos estrangeiros no total da dívida alcançou o nível mais alto da série (14,4%). Esse avanço é resultado do encolhimento do total da dívida ou o ingresso de não residentes já vinha ocorrendo?

Valle: Você tem vários efeitos. Inclusive é razoável supor que, quando houve o ganho de capital no passado, o estrangeiro, por estar mais posicionado em prefixados e índices de preços, teve um ganho maior do que o local. Mas também tem o crescimento gradual. Houve uma redução da velocidade de crescimento observada até 2010 - quando cresceu de 2% para 6% -, o que era exatamente o objetivo do governo ao taxar com IOF o investidor estrangeiro. A redução do estoque também contribui, mas existe uma entrada líquida.

Valor: Neste ano, há um grande vencimento de LFTs, o que poderia ajudar o Tesouro a diminuir a participação desse papel na dívida. Com esse cenário de aumento de juros, isso vai realmente se consolidar?

Valle: Com certeza haverá uma redução de LFT. No nosso PAF, a gente destacou isso, que há um vencimento de quase R$ 150 bilhões neste ano, e a gente vem rolando abaixo de 50% [dos vencimentos]. Em qualquer dos nossos cenários, haverá uma redução para LFTs, que representarão uma fatia entre 14% e 19% do total da dívida.

Valor: Mas há uma piora de alguns parâmetros macroeconômicos, como a expectativa de inflação e dúvidas sobre o avanço da atividade. Isso não afeta a disposição do investidor em comprar os papéis do Tesouro?

Valle: A gente acha que os fundamentos da economia estão bons. Tem alguns ruídos, mas a gente vê como um ano mais positivo. O consenso de mercado é de um crescimento de 3,1%. Alguns mais otimistas falam em crescimento de até 4% e tem programa de concessões fortes que deve atrair bastante investimento. Tem um ruído neste início de ano, que tende a diminuir. Estamos bem otimistas de cumprir o PAF, como nos últimos 13 anos, à exceção de 2008, quando houve uma revisão do plano.

Valor: Existe possibilidade de lançar algum novo vencimento de prefixados?

Valle: Neste ano ainda não. Talvez no ano que vem a gente tenha esse debate. Temos a preocupação de só migrar para um novo benchmark quando ele tiver mais liquidez. Ao longo deste ano, devemos reofertar a NTN-F 2013.