Título: Por que o Brasil cresce pouco?
Autor: Oreiro, José L. e Nakabashi, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2007, Opinião, p. A14

Nos últimos 25 anos a economia brasileira vem crescendo a uma taxa média de cerca de 2,6% ao ano, valor bastante inferior à média observada no período 1950-1980 e abaixo da taxa média de crescimento obtida por outros países emergentes como, por exemplo, Rússia, China e Índia. O PIB per-capita tem crescido nos últimos anos a uma taxa pouco superior a 1% ao ano. Nesse ritmo levará quase 70 anos para que a renda per-capita brasileira dobre de tamanho, igualando-se ao nível de renda per-capita prevalecente hoje em dia em países como Portugal e Espanha. Dessa forma, podemos afirmar que a economia brasileira se encontra numa situação de semi-estagnação.

No final de 1980 e início de 1990, essa situação de semi-estagnação era atribuída aos efeitos da inflação crônica que assolava a economia brasileira. A redução da taxa de inflação para um patamar de um dígito ao ano foi obtido após a bem-sucedida implantação do Plano Real, o qual se baseou numa âncora cambial para a taxa de inflação. A estabilização monetária não foi acompanhada, no entanto, por uma retomada do crescimento da economia brasileira a taxas mais vigorosas. A aceleração do crescimento econômico nos dois primeiros anos após a implantação do Plano Real foi logo interrompida em função dos efeitos sucessivos das crises do México, Sudeste Asiático e Rússia. No início de 1999, após vários meses consecutivos de redução das reservas internacionais devido a fuga de capitais, o Brasil abandona o sistema de bandas cambiais em prol de um regime de flutuação da taxa de câmbio. O novo modelo macroeconômico é completado, ainda em 1999, com a adoção do sistema de metas de inflação e com a política de geração de expressivos superávits primários, destinados a estabilização da relação dívida pública/PIB.

O novo modelo macroeconômico permitiu uma expressiva redução da taxa real de juros - a qual passou de um patamar de cerca de 25% ao ano no período 1994-1998 para cerca de 10% ao ano no período 1999-2005 - e uma desvalorização da taxa real de câmbio que foi de fundamental importância para a eliminação dos déficits crônicos em conta corrente observados no período 1994-1998, o quais chegaram a superar a marca de 4% do PIB. Além disso, a política de geração de crescentes superávits primários após 1999, permitiu que a dívida pública líquida como proporção do PIB entrasse numa trajetória (levemente) declinante, situando-se atualmente em cerca de 50% do PIB. Apesar da redução da taxa real de juros, da redução da vulnerabilidade externa e da estabilização da dívida pública, o desempenho da economia brasileira em termos de crescimento do PIB permanece medíocre.

Essas considerações nos permitem tirar duas conclusões fundamentais. Em primeiro lugar, a manutenção da taxa de inflação em patamares baixos e estáveis não é condição suficiente para a retomada do crescimento econômico. Em segundo lugar, a experiência brasileira mostra que a simples adoção de um modelo macroeconômico consistente também não é condição suficiente para a retomada do crescimento. Nesse contexto, a pergunta relevante a ser feita é: o que fazer para acelerar, de forma sustentável, o ritmo de crescimento da economia brasileira?

-------------------------------------------------------------------------------- Um aumento permanente da demanda e da taxa de crescimento não pode ser "puxado" por um aumento do investimento --------------------------------------------------------------------------------

Uma resposta possível para essa pergunta está baseada na metodologia da contabilidade do crescimento, a qual estabelece que a razão para o pífio crescimento da economia brasileira nos últimos 25 anos deve ser buscada no lado da oferta da economia. Mais especificamente, os problemas da economia brasileira seriam uma baixa taxa de poupança doméstica e um baixo dinamismo tecnológico expresso numa reduzida taxa de crescimento da produtividade total dos fatores de produção. Nesse contexto, a retomada do crescimento da economia brasileira a taxas mais expressivas exigiria uma reforma previdenciária que atuasse no sentido de aumentar a poupança do setor público e uma nova rodada de abertura comercial da economia brasileira com o intuito de estimular o crescimento da produtividade do trabalho nas empresas brasileiras.

Essa resposta apresenta alguns problemas, sendo o principal deles o fato de que o procedimento da contabilidade do crescimento é baseado no comportamento passado da economia, ou seja, se o passado recente foi de lento crescimento então a "estimativa" da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores de produção será baixa, "sinalizando" assim uma situação na qual o crescimento do produto potencial também é reduzido. Assim, o oposto ocorreria no caso de uma aceleração do crescimento por um período suficientemente longo de tempo. Portanto, não concordamos com esta metodologia segundo a qual, na ausência de reformas do lado da oferta, a economia brasileira pode crescer, no máximo, a uma taxa de 3,5% ao ano no longo-prazo.

Nossa resposta à pergunta inicial tem como fundamento a teoria do crescimento puxado pela demanda agregada. Alguns testes econométricos realizados pelos autores do presente artigo mostram que os gastos do governo e o crescimento das exportações são variáveis exógenas, ou seja, poderiam servir de instrumentos para estimular a demanda da economia. O investimento em capital fixo (público mais privado) se mostrou uma variável endógena, tendo o seu comportamento atrelado ao próprio desempenho do produto real. Dessa forma, um aumento permanente da demanda e da taxa de crescimento não pode ser "puxado" por um aumento do investimento. Adicionalmente, os testes mostram que cerca de 95% do crescimento do PIB real no período 1990-2005 é explicado por variáveis do lado da demanda agregada da economia. Os testes econométricos também mostraram que um aumento de 1% dos gastos de consumo corrente do governo irá resultar numa elevação de 0,37% do PIB real brasileiro. Tomando-se como base uma carga tributária de cerca de 40% do PIB, segue-se que um crescimento de 1% dos gastos de consumo corrente do governo irá aumentar a receita tributária em apenas 0,15% do PIB. No entanto, em função da crise fiscal do Estado brasileiro, expressa pela combinação entre elevada dívida pública como proporção do PIB, carga tributária elevada e reduzido investimento público em obras de infra-estrutura, não é possível puxar o crescimento da economia brasileira por intermédio de uma política de expansão dos gastos de consumo corrente do governo. Assim, para que o país se coloque novamente em uma trajetória de crescimento elevado e sustentável, uma alternativa disponível é a adoção de um modelo de crescimento puxado pelas exportações; no qual uma taxa de câmbio competitiva, em conjunto com políticas que visem aumentar o conteúdo tecnológico das exportações e, dessa forma, a sua elasticidade-renda da demanda, tem um papel fundamental a desempenhar.

José Luís Oreiro é professor do Departamento de Economia da UFPR e Pesquisador do CNPq. E-mail: joreiro@ufpr.br.

Luciano Nakabashi é professor do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: luciano.nakabashi@ufpr.br.

Breno Lemos é professor do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: bplemos@uol.com.br.