Título: Aquecimento do setor gera disputa por profissionais
Autor: Giardino, Andrea e Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2007, EU & Investimentos, p. D6

O aquecimento do setor sucroalcooleiro no Brasil está gerando uma guerra silenciosa por talentos. Reflexo disso é a escassez de mão-de-obra nas usinas, fruto de uma dança de cadeiras e um "rouba-rouba" de profissionais. Faltam operadores de máquinas agrícolas, traders (peça fundamental para negociar a commodity), especialistas, gerentes e executivos do alto escalão. Esse cenário tem levado muitas empresas a buscar profissionais em segmentos próximos da própria indústria do agronegócio, como o de papel e celulose, ou até em outros mercados. A situação deve se agravar ainda mais diante dos investimentos de US$ 17 bilhões previstos até 2012 em quase 100 novos projetos de usinas de açúcar e álcool.

"Há gente muito boa nessa área e esses estão sendo bastante disputados", diz Luiz Alberto Panelli, sócio-diretor da empresa de seleção de executivos PMC e Associados. A questão, ressalta, é que com a expansão do mercado, reflexo da entrada de capital estrangeiro no país e da profissionalização dos grupos nacionais, a maioria com gestão familiar, não existe gente suficiente para ocupar as vagas que estão se abrindo. De acordo com Panelli, a escassez de profissionais atinge todos os níveis, de presidentes a técnicos. "E com o anúncio de novas usinas, os executivos continuarão sendo pinçados de outros setores, como papel e celulose ou de produção de laranja, por exemplo".

Além disso, a corrida por novos projetos tem sido tão grande que o aporte de recursos de fundos de private equity voltados para o setor sucroalcooleiro deve chegar a U$ 3 bilhões. Um dos primeiros grupos de investidores estrangeiros a fazer aportes por aqui foi o Infinity Bio-Energy, com capital aberto na bolsa de Londres, ano passado. Na época, a entrada do grupo chegou a ser recebida com desconfiança pelo mercado, um dos mais pulverizados do país e com alta concentração de gestão familiar nos negócios. Mas a Infinity provou que não está para brincadeira. O grupo anunciou pesados investimentos no Espírito Santo e já controla usinas em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.

Para formar seu quadro de funcionários, buscou profissionais que estavam atuando no setor. Para reter talentos e não perder gente nessa guerra por profissionais, o grupo, comandado por Sérgio Thompson-Flores, decidiu ousar ao adotar um modelo de remuneração pouco usual no setor, o de "stock options" - opção de compra de ações. "Na nossa área, esse modelo é comum entre as companhias listadas em bolsa", justifica. No Brasil, apenas duas empresas nacionais do setor estão na Bovespa, os grupos Cosan e São Martinho. Segundo Marco Antonio de Oliveira, gerente e consultor de agronegócios do Hay Group, o mecanismo de "stock options" só é adotado por 10% das companhias da área sucroalcooleira.

Emiliano Capozoli/Valor Thompson-Flores, da Infinity, teve que buscar traders no setor de combustíveis No entanto, muitas empresas começaram a desenvolver políticas de remuneração mais estruturadas. "Elas sabem que precisam não só atrair mas segurar seus talentos. Alguns grupos de grande porte deram os primeiros passos e vejo aumentar o movimento de práticas salariais e de RH mais agressivas". Ele cita o caso da usina São Martinho que, além de bônus e remuneração compatível com outros mercados - antes se pagava bem menos que a média geral, em cargos similares - criou metodologias de avaliação de competências e gestão de desempenho.

"O grupo Nova América é outro exemplo de quem se preocupa com o capital humano ao implantar pesquisa de clima, algo raro nesse setor", revela. Os salários fixos também tornaram-se atraentes, principalmente para gerentes. Oliveira afirma que o setor em São Paulo paga hoje, em média, 50% mais do que há cerca de três anos. "E veremos salários inflacionados em dez anos se o ritmo de expansão continuar acelerado. Hoje já faltam executivos de primeira linha e o mercado não formará gente em tempo hábil. O que vai acirrar o 'rouba-rouba' de talentos", diz Gijs Van Delft, gerente executivo da divisão finanças da Michael Page, consultoria de seleção especializada em média gerência.

O engenheiro agrônomo André Valio, 32 anos, formado pela Esalq, é prova do quanto aquecida está a área. Nunca foi tão assediado como agora. Depois de montar sua consultoria para atender a demanda do setor sucroalcooleiro em 2004, quando largou a Votorantim, não imaginava tão cedo voltar ao mercado. No fim do ano passado, recebeu duas propostas tentadoras de dois clientes. Não pensou duas vezes e resolveu aceitar o desafio de comandar um novo departamento do grupo Virgulino. "Apesar de ganhar 15% menos do que na consultoria, tenho estabilidade e possibilidade de ascenção em uma grande companhia", afirma.

Responsável pelo planejamento e controle do núcleo de sustentação estratégica da usina, Valio se divide entre a sede da usina em Catanduva e nas outras duas unidades da empresa. Recentemente foi convidado por outros dois grupos e reconhece que teve o privilégio de escolher onde queria trabalhar. "Nesses dois casos, recusei porque as propostas eram fora de São Paulo e não queria ficar longe da família", diz.

Jairo Carolinski optou por mudar de segmento ao trocar a empresa de consultoria Bain Company pelo desafio de atuar em um grupo que oferece novos desafios, a Cosan. "A indústria do açúcar e álcool me interessou por ter o mundo inteiro olhando para ela. Além disso, vai permitir ao profissional assumir desafios importantes que contribuirão para a carreira", defende. Outro bom exemplo é Alberto Klumb. Há 20 anos na Açúcar Guarani, controlada pelo grupo francês Tereos, como diretor financeiro, o executivo está agora no tradicional grupo de Alagoas, Carlos Lyra, com usinas no centro-sul.

Thompson-Flores diz que buscou boa parte dos seus traders no setor de combustíveis e afirma que a Infinity está investindo no treinamento de mão-de-obra, sobretudo a de base, em parceria com as prefeituras onde as usinas do grupo estão instaladas. Flores também garante que também não precisou "importar" executivos internacionais para compor sua equipe. Enquanto a Cosan, controlada por Rubens Ometto, primeira empresa do setor a abrir capital na Bovespa, está investindo US$ 450 mil na formação de líderes.

Durante 15 meses, 31 executivos participam de um MBA "sob medida" com foco em gestão do mercado sucroalcooleiro. A idéia é se antecipar a uma escassez crítica de mão-de-obra e ao assédio de outros grupos por seus profissionais. Mesmo assim, a companhia que desde 2002 vem profissionalizando a gestão, trouxe para cargos de comando gente de fora. O que é visto de forma mais clara nos últimos três anos. "O grupo expandiu ao criar novas diretorias. Para isso contratamos executivos de outros setores", revela Luís Veguin, diretor administrativo da Cosan. Entre os nomes citados está o de Paulo Diniz (ex-TIM) para a vice-presidência financeira, Carlos Martins (ex-Aracruz), para a área de logística, e Márcio Lutz, recém-saído da CSN e que assumiu a vice-presidência comercial.

Com a construção de novas plantas de açúcar e álcool e a boa capitalização do setor, o volume de máquinas agrícolas comercializadas cresceu expressivamente. "Atualmente há uma escassez de mão-de-obra especializada para operar essas máquinas e fazer a manutenção", diz Gerci Soares, gerente Multirental, empresa do grupo Shark, que distribui máquinas agrícolas e para construção. Um profissional deste porte não precisa ter curso de graduação, explica. "E sim, ter conhecimento técnico em mecatrônica", afirma. O salário médio para essa função está em torno de R$ 2,5 mil. "O nível tecnológico das máquinas agrícolas avançaram muito, mas o nível técnico dos profissionais não acompanhou o mesmo ritmo".

Arnaldo Luiz Corrêa, diretor da Archer Consulting, que presta assessoria em mercado de futuros, opções e derivativos, afirma que a busca por traders chegou até aos bancos que querem contratar profissionais que entendam de commodities agrícolas. "Só que antes os grandes grupos sucroalcooleiros costumavam formar esses profissionais na própria empresa. Mas isso mudou", lembra. Na visão de Vidal Varella Filho, consultor da VVF, especializada em planejamento organizacional e de RH, as companhias abandonaram a formação interna e passaram a caçar esse profissional no mercado".

"Mas o mercado sucroalcooleiro está precisando de profissionais especializados e com larga experiência neste setor, o que está cada vez mais raro." Um bom trader de açúcar precisa de, no mínimo, entre cinco e sete anos de experiência e conhecimento na área de álcool, segmento que está cada vez mais sob os holofotes do mercado internacional. "Existe um sentimento generalizado que esse mercado vai crescer bastante", diz Varella.

Desde o final da década de 90, com a desregulamentação do setor, as usinas começaram a se reestruturar, buscando maior profissionalização e reduzindo a participação da família na administração dos negócios. Movimento que se intensificou com a entrada de investidores estrangeiros, acirrando a competição no mercado. Mas ainda há um longo caminho pela frente. Com cerca de 350 usinas de açúcar e álcool em todo país, o setor somente nos últimos anos vem passando por um período de concentração.

"Essa consolidação já exige um novo tipo de executivo, preparado para lidar com um negócio mais maduro e que passou a ter estrutura diferente daquela do passado", observa Silvia Sigaud, sócia-especialista no mercado de agronegócios da Korn/Ferry International, consultoria de recrutamento de executivos. "O mercado por viver um momento novo e de ebulição, exige do profissional entender não apenas o funcionamento da manufatura, como também vislumbrar as possíveis operações que a companhia pode vir a fazer, como abertura de capital, fusões e aquisições. ", afirma.