Título: Lula diz que vai mexer na Previdência
Autor: Romero, Cristiano e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2007, Política, p. A15

Ao dar posse ontem a cinco ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, de forma enfática, a criação de uma nova rede de televisão estatal, voltada para a educação e sem preocupação com níveis de audiência. Lula disse que "sonha" também em criar uma "rádio nacional". Num discurso de improviso que durou 40 minutos, o presidente confirmou que o governo estuda mudanças nas regras de aposentadoria do INSS e que essa foi a principal razão para o Ministério da Previdência Social não ter ficado nas mãos do PDT.

Até a noite de terça-feira, o presidente do PDT, Carlos Lupi, seria o novo ministro da Previdência. Somente na manhã de ontem, pouco antes da posse, Lula confirmou Lupi no Trabalho, sob os protestos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e deslocou o ex-titular, Luiz Marinho, para a Previdência.

"Por que eu fiz isso?", indagou Lula na cerimônia de posse. "Primeiro, porque conheço o pensamento do PDT. Segundo, porque era complicado colocar um companheiro para fazer uma determinada política na Previdência que você sabe que para o seu partido é quase uma questão de fé. Certamente, ele teria dificuldades em alguns temas que vamos ter que discutir na Previdência."

O presidente reafirmou que não reconhece como déficit o rombo de R$ 47 bilhões, estimado para este ano, nas contas do INSS. Disse que o que se chama de déficit é resultado de políticas sociais instituídas pela Constituição de 88. Em seguida, reconheceu que, se não é da Previdência, o déficit é do Tesouro: "É nosso, é do Brasil. Portanto, temos que cuidar disso com carinho especial".

Lula assegurou que as mudanças, em estudo no Fórum Nacional da Previdência Social, valerão para as futuras gerações. Preocupado em tirar das costas do governo o ônus de uma nova reforma, ele disse que a proposta não será do governo, mas da sociedade. E sustentou que o novo ministro, Luiz Marinho, a quem creditou a recuperação do valor do salário mínimo e as correções da tabela do Imposto de Renda, tem perfil para enfrentar "coisas adversas", numa referência à sua nova tarefa.

Pela primeira vez, o presidente falou em público sobre a TV estatal que pretende criar. Fez isso ao empossar o jornalista Franklin Martins no Ministério da Comunicação Social, recém-criado. Disse que pensa em fundar uma "TV pública educativa" para fazer o que "muitas vezes a televisão privada não faz". Propalou a idéia de que a nova TV não quer competir com os canais privados e de que seu jornalismo não será "chapa branca". "Chapa branca parece bom, mas enche o saco. Gente puxando o saco não dá certo", disse Lula. "Não vamos inventar a roda. Se (a nova TV) vai ter meio ponto de audiência ou zero não me interessa."

Ao se despedir de Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Lula fez uma exaltação do fato de o Brasil ter acumulado quase US$ 110 bilhões em reservas cambias. Sem mencionar os custos de manutenção dessas reservas - R$ 16,9 bilhões em 2006 e R$ 33,4 bilhões no ano anterior -, o presidente afirmou que os recursos dão "credibilidade" ao país: "Não tem nada que dê mais garantia a um país do que um montante de reservas como esse que conseguimos acumular. Se Deus quiser, vamos acumulando, dinheiro no bolso não faz mal a ninguém".

Além de Franklin Martins, Carlos Lupi e Luiz Marinho, Lula empossou Alfredo Nascimento no Ministério dos Transportes e Miguel Jorge no Desenvolvimento. Ao apresentar Nascimento, fez referência velada às denúncias de irregularidade levantadas por uma revista contra o ministro. "Não se deixe abater nunca porque adversário é o que não falta, sobretudo agora que os Transportes têm muito dinheiro", ironizou. Ao falar de Miguel Jorge, Lula lembrou que ele, a seu exemplo, não tem diploma universitário. "Somos três", lembrou o presidente, referindo-se ao vice-presidente José Alencar.

Ontem, antes da cerimônia de posse dos novos ministros, Lula chamou Guilherme Cassel para uma conversa, na qual confirmou a sua permanência no Desenvolvimento Agrário. Ligado à Democracia Socialista, uma tendência de esquerda do PT, Cassel foi confirmado graças à indicação do ex-ministro Miguel Rossetto e ao apoio dos movimentos sociais. O mais cotado para assumir a função era o deputado Walter Pinheiro (BA), ex-líder do PT na Câmara e deputado mais votado do partido em todo o país.

Lula decidiu colocar Pinheiro na geladeira porque se ressente das críticas que ele fez no primeiro mandato. O deputado chegou a ameaçar deixar o PT para filiar-se ao P-Sol. Um ministro que conhece bem os humores de Lula acha que ele pode voltar atrás e nomear o deputado baiano para o Desenvolvimento Agrário. Se fizer isso, será apenas em meados do ano. "Até lá, o Walter vai ficar no sal", diz esse ministro.

Nos próximos dias, o presidente ainda deverá criar a Secretaria Nacional dos Portos e nomear Pedro Britto, ex-ministro da Integração Nacional ligado ao deputado Ciro Gomes (PSB-CE), para comandá-la.