Título: Ex-marido de Dilma pede investigação da Fiesp
Autor: Bueno, Sérgio Ruck
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2013, Política, p. A11

Na primeira audiência pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 2013, o advogado, ex-deputado estadual gaúcho pelo PDT e ex-marido da presidente Dilma Rousseff, Carlos Araújo, pediu ontem que as investigações sobre a prática de tortura durante o regime militar no Brasil, de 1964 a 1985, incluam os empresários que financiaram a repressão. "Tem que englobar também o núcleo da Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo], os torturadores da Fiesp", afirmou.

No encontro, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), voltou a defender a revisão da Lei da Anistia, enquanto a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, pediu que a Câmara aprove hoje o projeto de lei que cria o Sistema Nacional de Combate à Tortura, com peritos independentes para fiscalizar a situação de prisões e asilos. Ela também destacou os "indícios" de que o ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964, foi assassinado pela "Operação Condor", uma aliança entre as ditaduras do Cone Sul para perseguir opositores dos regimes militares da região.

"Tenho certeza de que a Comissão da Verdade vai entrar neste antro da Fiesp, que foi responsável não só por financiar, mas também por assistir e estimular a tortura", disse Araújo. Ele fez a cobrança após referir-se à entrevista publicada no fim de semana pelo jornal "O Estado de S. Paulo", na qual o presidente da CNV, Paulo Sérgio Pinheiro, afirmou que as apurações vão revelar as cadeias de comando da repressão, "de general a torturador".

Segundo Araújo, que foi preso e torturado durante a ditadura, a Fiesp financiou a Operação Bandeirante (Oban), um centro de investigação do Exército, e o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), "dirigida sempre pelo empresário Nestor Figueiredo", que estaria na "cúpula" da entidade até hoje. "Não foram poucos os empresários que iam para a sala de tortura estimular os torturadores", acrescentou. Segundo ele, a investigação sobre a ação da Fiesp é importante porque a "direita raivosa está por aí".

Em resposta, Pinheiro disse que o financiamento da repressão durante o governo militar é uma das linhas de trabalho da comissão. Ele reconheceu que se trata de uma "linha delicadíssima", mas reiterou que não acha de "grande valia" divulgar as descobertas "a cada momento".

Em nota, a Fiesp afirmou que atua em defesa da democracia e do Estado de Direito, mas defendeu que "eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser apurados". Nos arquivos da Fiesp não consta nenhum Nestor Figueiredo como diretor e sim, Nadir Figueiredo, industrial do ramo de vidros, que foi um influente dirigente da instituição durante a ditadura.

Presente na abertura da audiência, Tarso Genro (PT) voltou a defender que a Lei da Anistia não pode ser interpretada de modo a beneficiar os torturadores. Ele afirmou que a "lamentável" decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, que manteve inimputáveis penalmente os agentes da repressão, pode ser revertida.

"Esta decisão pode ser mudada e aposto que vai ser mudada", afirmou o governador, que defende a reinterpretação da lei desde que era ministro da Justiça no governo Lula. "Vozes importantes dentro do STF estão dispostas a rever aquela decisão", acrescentou, sem especificar nomes.

Para Maria do Rosário, a tese defendida pelo governador gaúcho é "legítima" e "corajosa", mas o governo federal "não tem posição firmada" a respeito porque o assunto está relacionado a "outro poder". Questionada se a CNV seria um primeiro passo para uma futura punição dos torturadores, a ministra disse que o governo prefere "esperar" pelo relatório da comissão, previsto para ser concluído no ano que vem.

A ministra também afirmou que o país "não pode desconhecer" os indícios de que o ex-presidente João Goulart tenha sido assassinado na "Operação Condor". A versão oficial é que Goulart morreu de ataque cardíaco em 1976, mas o assunto vem sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF). A família do ex-presidente sustenta que ele foi envenenado por um agente argentino sob ordens do ex-delegado brasileiro Sérgio Fleury com conhecimento do ex-general Orlando Geisel e ontem entregou documentos à CNV reforçando o pedido e a autorização para a exumação do corpo de Jango, sepultado em São Borja (RS).