Título: Gol estuda antecipar resgate de dívida
Autor: Villela, Janaina e Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2007, Empresas, p. B2

A Gol estuda antecipar o resgate de duas debêntures no valor de R$ 100 milhões às classes 1 (trabalhadores) e 2 (aposentados do Aerus, BR Distribuidora, Infraero, empresas de leasing e Banco do Brasil) de credores da "velha" Varig que seriam pagas em até dez anos com remuneração fixa de 8,4% anuais. Cada uma vale R$ 50 milhões. Esses títulos foram emitidos pela "nova" Varig em 17 de janeiro.

O assunto foi tratado em uma reunião ontem no Tribunal de Justiça do Rio em que estiveram presentes o presidente da Varig, Guilherme Laager; o presidente da Gol, Constantino de Oliveira Junior; o sócio da Volo do Brasil, dona da VarigLog, Marco Antonio Audi; o gestor judicial da Nordeste, Miguel Dau; e os juízes que acompanham o processo de recuperação judicial da Varig, Luiz Roberto Ayoub e Márcia Cunha.

A proposta de antecipação de resgate dos papéis foi feita pela juíza Márcia durante o encontro e foi bem aceita por Junior, segundo fontes presentes ao encontro. O resgate das debêntures, no entanto, ainda depende da aprovação dos credores. "Fiz essa proposta pensando principalmente no fundo de pensão Aerus, que a partir do próximo mês não pagará mais a seus aposentados e pensionistas. Agora, esse assunto terá que ser discutido. Tem que se chegar, por exemplo a um consenso em relação à taxa de desconto", disse a juíza ao Valor. A idéia, segundo ela, é que Junior se encontre com o interventor do Aerus nas próximas semanas para discutir o tema.

Também presente ao encontro, Audi afirmou que a Gol reembolsará a chilena LAN pelos US$ 17,1 milhões emprestados à Varig em setembro. Segundo ele, um dos principais obstáculos enfrentados pela VarigLog durante os oito meses em que esteve à frente da nova Varig foi encontrar aviões no mercado para operar as rotas herdadas da velha Varig. Audi nega que a empresa esteja dando prejuízo operacional de R$ 20 milhões por mês. O sócio da Volo garante que o dinheiro pago pela Gol é bem superior ao montante investido pela VarigLog na Varig. O Valor apurou que até o dia 13 de dezembro, a VarigLog já havia investido US$ 126 milhões na nova Varig.

As concorrentes da Gol reagiram ontem com preocupação e mau humor à compra da Varig pela família Constantino. Maior companhia aérea do país atualmente, a TAM está apreensiva com a volta com força da Varig às rotas intercontinentais. Não é por causa da competição em si, uma vez que a empresa fundada por Rolim Amaro já enfrenta a concorrência de aéreas estrangeiras em todas as suas rotas para Europa e Estados Unidos, mas porque a estratégia de expansão dos vôos nos próximos meses está baseada na devolução das linhas internacionais inutilizadas pela Varig após a crise de 2006.

O presidente da Gol disse ontem que espera reiniciar os vôos ao exterior abandonados pela Varig em até 12 meses. Pelas regras da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Varig tem prazo para retomar essas linhas até 14 de junho - exatos seis meses após a assinatura do Certificação de Homologação de Empresa de Transporte Aéreo (Cheta) à VRG Linhas Aéreas, conforme determina a portaria 569 do órgão regulador.

Se o prazo não for cumprido, segundo as regras da agência, o direito de explorar as linhas internacionais é repassado a outras companhias. "Vamos pleitear a extensão do prazo", anunciou Junior, argumentando que os passageiros se beneficiarão de uma eventual da prorrogação. O Valor apurou que a Anac vê com restrições esse pedido, mas fontes do setor dão como certa uma interferência direta do governo caso a diretoria da agência imponha obstáculos ao pleito da Gol.

A TAM já contava com a redistribuição das linhas internacionais para lançar vôos para Frankfurt. Para isso, tem negociações avançadas com um acordo operacional com a Lufthansa, que ficaria responsável pela distribuição dos passageiros em território europeu. Uma parceria nessa rota é tida como fundamental, pois só três de cada dez passageiros têm a própria cidade alemã como destino final. A TAM também estudava solicitar à Anac o início de mais um quarto vôo para Paris e da segunda freqüência diária a Milão - rota que será inaugurada hoje. Espera ainda iniciar operações para Caracas, usando aeronaves Airbus A320.

Com exceção de Caracas, todas as demais ampliações dependem da devolução de autorizações concedidas à Varig. Para Frankfurt, por exemplo, a Varig continua fazendo um vôo por dia, mas tem direito a dois. A operação do segundo vôo ao qual o Brasil tem direito, pelo acordo aéreo bilateral com a Alemanha, deveria ir para a TAM no segundo semestre, mas agora os planos podem mudar. "Entendemos que a portaria 569 deve ser respeitada", afirmou uma fonte ligada à TAM.

Os novos vôos da empresa - Londres, Milão e a terceira freqüência para Paris - precisaram de revisões dos acordos bilaterais, por iniciativa do governo brasileiro. Sem isso, corria-se o risco de que essas rotas fossem operadas exclusivamente por aéreas estrangeiras. O vice-presidente de planejamento da empresa, Paulo Castello Branco, não quis entrar na polêmica, mas confirmou que é intenção da aérea ampliar as operações internacionais para "mercados seletivos e de boa rentabilidade". Ele acrescentou que a companhia não teme perder a liderança no segmento doméstico e manterá intactos seus planos de aumento da frota. "Não alteramos a nossa estratégia de incorporação de novos aviões", disse o executivo.

Para especialistas em aviação e dentro do próprio governo, é consensual a avaliação de que a Gol (somando as operações da Varig) assumirá a liderança do mercado nacional no segundo semestre. Uma alta autoridade aeronáutica garantiu que, só com a distribuição no Brasil dos passageiros provenientes de rotas internacionais da Varig, a nova empresa surgida com a aquisição da Gol ganhará 15 pontos percentuais de participação no mercado nacional. Hoje a Gol tem 40,2% no segmento doméstico e a Varig possui 4,5%. A fatia da TAM alcança 47,3%. No internacional, a companhia da família Amaro transporta 61% dos passageiros, segundo dados de fevereiro da Anac, que contabiliza apenas aéreas brasileiras.

A BRA, que hoje possui 2,98% do mercado doméstico, e a OceainAir, com 2%, estão seriamente preocupadas com a consolidação de um "duopólio" Gol-TAM. "O Brasil precisa de três ou quatro companhias aéreas", afirmou o presidente da BRA, Humberto Folegatti. "Se o governo quer ter mais de uma ou duas companhias, tem que dar as condições de competição. E isso envolve necessariamente a democratização de Congonhas", completou. O aeroporto mais concorrido do país tem espaço para 642 operações diárias - 38 "slots", ou horários reservados a pousos e decolagens, por cada hora de funcionamento - destinadas à aviação civil. Com a compra da Varig, a Gol somará 124 slots aos 172 que detinha, chegando perto de 50% das operações no aeroporto.