Título: Câmbio leva Argentina a restringir turismo
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 19/03/2013, Internacional, p. A13

O turista argentino que comprar passagens aéreas ou pacotes passará a pagar de imediato um imposto de 20% sobre o valor, a partir de hoje. Para os gastos em cartão de crédito no exterior, em que já havia uma cobrança de 15%, a nova alíquota também será de 20%. A medida tenta desestimular a nova tendência que marca a conta de serviços de turismo no país desde o ano passado, quando a Argentina passou a ser um país deficitário no setor.

As viagens internacionais se tornaram o último caminho disponível à maior parte dos argentinos para ter acesso ao dólar, depois que o governo proibiu a compra de divisas estrangeiras para investimento ou aquisição de imóveis. E o argentino médio tem procurado explorar a brecha com cada vez mais empenho.

Em 2010, a Argentina teve um superávit de US$ 699 milhões entre a compra e a venda de serviços turísticos e passagens. Em 2011, o fluxo ficou negativo em US$ 718 milhões. Em 2012, a diferença já havia saltado a US$ 4,2 bilhões, segundo dados do Banco Central do país. Nesse período, o número de argentinos que saíram do país pelos aeroportos de Buenos Aires passou de 1,9 milhão para 2,431 milhões, um aumento de 26,3%.

"Esse déficit representa metade do fluxo negativo que a Argentina tem na área energética. É um valor próximo aos compromissos de dívida externa que o país terá ao longo de 2013. Não estamos falando de uma coisa trivial", comentou o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica.

Em termos práticos, a medida de ontem representa o início de um desdobramento cambiário. Com a imposição da taxação, o turista argentino que viaja ao exterior gasta o equivalente a 6,10 pesos para adquirir um dólar. No câmbio oficial, a cotação está em 5,10. No paralelo, ronda os 8 pesos por dólar.

O resultado da conta de turismo na Argentina não reflete apenas o uso de um estratagema para se obter dólar no exterior, mas mostra também como o atraso cambial no país afetou a competitividade.

Os gastos de turistas estrangeiros no país caíram de US$ 4,2 bilhões para US$ 3,3 bilhões em dois anos. Os turistas continuam chegando à Argentina, mas gastam proporcionalmente cada vez menos. Em 2012, entraram no país 2,711 milhões de visitantes, 53 mil a menos que em 2010. O gasto per capita recuou de US$ 150 para US$ 120 por turista.

Como a taxa oficial do dólar variou entre 2010 e 2011 abaixo até mesmo da desacreditado cálculo da inflação oficial - em torno de 10% - e em 2012 subiu só 16%, há um aumento dos preços em dólar de serviços como passagens, hotéis e refeições na Argentina. Além disso, o ressurgimento do câmbio negro começou a desviar o turista do mercado formal de divisas.

Nesses dois primeiros meses do ano, até mesmo o real passou a ter uma cotação paralela. Cada unidade da moeda brasileira chega a ser negociada por 3,60 pesos, uma brecha de 30% em relação à cotação oficial do real, que é de 2,50 por unidade.

Ao anunciar a medida ontem, o chefe da Receita argentina, Ricardo Etchegaray, afirmou que o órgão havia detectado que serviços prestados no país estavam sendo faturados no exterior, como uma maneira de viabilizar a fuga de capitais. Chegou a chamar o fenômeno de "fugadutos". O dólar oficial na Argentina acumula neste ano uma desvalorização de 3,5%.