Título: TSE tomou uma decisão que precisará de conserto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2007, Opinião, p. A30

O ministro Marco Aurélio de Mello, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), adicionou mais uma confusão à já conturbada vida partidária brasileira. A culpa não é dele. Foi o ex-ministro Nelson Jobim, então presidente do TSE, que inaugurou a moda de que essa instância judiciária tem o poder de legislar quando, em 2002, decidiu que era obrigatória a verticalização das alianças, sem que houvesse na lei qualquer disposição clara que obrigasse o partido a repetir estadualmente as mesmas coligações feitas nacionalmente. Virou moda. O TSE resolveu, em 2006, também sem que a lei esclarecesse como viabilizar isso, que, mesmo na hipótese de a legenda não ter feito uma coligação nacional, não pode se coligar com partidos diferentes nos Estados. Daí foi demais. A reação foi mais forte do que o ímpeto legislador do TSE e a decisão foi revogada.

Passadas as eleições, Mello volta ao centro das atenções ao levar a plenário do TSE uma consulta do Democratas, ex-PFL, sobre a fidelidade partidária. A decisão do pleno foi a de que, independente do fato de a lei estabelecer punições para infiéis, a lealdade é uma obrigação legal - o que, teoricamente, abre espaço para que os partidos oposicionistas que mais perderam parlamentares na Câmara pleiteiem junto à sua presidência a vaga perdida, e, na recusa desta, ao próprio TSE.

Do ponto de vista político, o famoso troca-troca de todo início de legislatura é uma imoralidade e, sem dúvida, um desserviço à democracia brasileira. Os partidos elegem suas bancadas para a Câmara sob as regras do voto proporcional, isto é, são eleitos deputados federais, estaduais ou vereadores na proporção dos votos obtidos pelo partido. É raríssimo que um candidato, sozinho, consiga os votos necessários para se eleger sem as sobras partidárias. Racionalmente, portanto, nada mais justo do que se atribuir ao partido, e não individualmente ao eleito, a vaga conquistada. Ocorre, no entanto, que nem a legislação, nem a Constituição, dizem claramente que o parlamentar não pode mudar de partido - e muito menos estabelece como pena a perda de mandato dos eleitos que, após a diplomação pela Justiça Eleitoral, tenham alterado a filiação partidária. Além disso, da mesma forma como é uma excrescência não existirem normas de retomada da vaga partidária, nos casos dos parlamentares "trânsfugas", é igualmente uma anomalia a permissão legal para que partidos se coliguem em eleições proporcionais.

A lei, justa ou não, quando analisada sob um único ponto de vista, e em especial quando quem faz isso é a mais alta corte da Justiça, cria mais problemas do que soluções. Como o conjunto da obra - a Lei Orgânica dos Partidos Políticos e a Lei Eleitoral - não fala claramente nem sobre uma coisa, nem sobre outra, será criada a seguinte situação: as legendas prejudicadas por migração de eleitos vão à presidência da Câmara pedir de volta os seus lugares; como não existe nenhuma norma da Casa que mande o presidente, ou a mesa diretora, cassar um deputado que mudou de partido, nada poderá ser feito. Aí, então, vão atrás do TSE para reivindicar o direito que o tribunal garante que ele tem. Como não existe nem na lei, nem na Constituição, nada que obrigue o tribunal a cassar o mandato do "trânsfuga", a Justiça terá problemas. Ainda assim, se o plenário do TSE e seu ministro, Marco Aurélio Mello, resolverem que podem imputar a um parlamentar diplomado a pena de cassação do mandato porque ele mudou de partido, mesmo a lei não deixando claro que tenha esse poder, deve decidir para quem fica a cadeira vaga, no caso de uma coligação entre dois partidos ou mais em eleições proporcionais: o cargo vai ser daquele que teve uma votação imediatamente anterior à do parlamentar cassado, independente do partido a que pertença, ou será da legenda que perdeu a cadeira para um "trânsfuga"?

O TSE criou um problema. E, como sempre acontece quando faz isso, obriga o Congresso a legislar às pressas para resolver impasses imediatos. E, toda vez que o Congresso faz isso, acaba legislando em favor dos parlamentares que já assumiram os seus cargos. Longe de ser uma decisão que pode obrigar o Legislativo a rever absurdos da lei, o TSE pode estar incentivando novos absurdos, destinados a manter o status quo dos eleitos e empossados.