Título: Nova greve e prejuízos complicam gestão da crise aérea
Autor: Rittner, Daniel e Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Brasil, p. A3

Passada a fase mais aguda da crise aérea causada pelo motim dos controladores de vôo, o governo começa nesta terça-feira a implementação do acordo para a desmilitarização do controle do tráfego aéreo. Ao mesmo tempo, terá que lidar com a ameaça de greve da Polícia Federal, que pode reeditar os transtornos nos aeroportos, e com as ameaças das empresas aéreas de cobrar, na Justiça, prejuízos por perdas e danos causados pelo longo período de problemas no setor.

No Palácio do Planalto, interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que levará tempo a transição do atual sistema militar de controle de vôo para o anunciado novo órgão civil. Os termos do acordo fechado no fim de semana entre os controladores de vôos e o governo, representado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo envolvem o início da desmilitarização, com a criação de uma secretaria civil embora ligada ao ministério da defesa; criação de gratificação emergencial; e a anistia aos amotinados.

Será necessário, também, curar as feridas abertas no Alto Comando da Aeronáutica com a quebra da disciplina militar pelos controladores e os arranhões à imagem do comandante do setor, o brigadeiro Juniti Saito, avaliam assessores de Lula. A situação política do ministro da Defesa, Waldir Pires, é delicada. As concessões feitas ao controladores seriam oferecidas de qualquer maneira. O motim de sexta-feira, que fechou mais de 40 aeroportos do país, apenas apressou a decisão, informam assessores do Planalto. O brigadeiro Saito seria, inclusive, favorável à desmilitarização do controle.

Hoje, após a primeira reunião ministerial do segundo mandato, Lula deve convocar sua equipe para tomar algumas decisões preliminares sobre o tema.

Paralelamente a isso, os delegados da Polícia Federal preparam um "ato público" que pode resultar em greve e reacender o caos nos aeroportos nesta semana. Em carta aberta ao ministro do Planejamento, a Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) exige o cumprimento de acordo fechado com o governo para reposição salarial da categoria. O presidente da ADPF, Sandro Torres Avelar, adverte que recentes declarações de Bernardo "causaram grande instabilidade e acirraram os ânimos dos policiais federais". O ministro teria afirmado desconhecer o acordo fechado com o ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Na carta aberta, os policiais alertam que manifestações previstas para o dia 18 de abril estão sendo antecipadas por lideranças regionais para esta quarta-feira. Com as manifestações, devem ser prejudicados a emissão de passaportes e o controle dos serviços de imigração, pelo qual devem passar todos os passageiros brasileiros e estrangeiros nos vôos internacionais. O movimento coincide com o feriado da Páscoa, quando há grande fluxo de viagens ao exterior, principalmente a países vizinhos.

A conta pela maior crise da história dos aeroportos brasileiros ameaça abrir um contencioso entre as companhias aéreas e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). As empresas já admitem ações por perdas e danos. E a Anac pensa em multar as companhias que não se responsabilizaram por despesas de passageiros não embarcados durante a crise do fim de semana. Com prejuízos estimados em cerca de R$ 100 milhões desde o início do caos aéreo, as empresas já levaram à Anac um pedido de ressarcimento e agora elevam o tom da cobrança. "Teoricamente, é possível [ação por perdas e danos]. Neste caso, cada empresa fará o seu processo individual contra a União. E os valores serão fixados por um juiz", diz o diretor-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA), José Márcio Mollo.

Em resposta, o diretor-presidente da Anac, Milton Zuanazzi, reconhece o direito das empresas de pedir o ressarcimento das perdas que julgam ter sofrido. Mas diz que a diretoria da agência ainda não tem prazo para analisar o pleito e ressalta que era responsabilidade das companhias arcar com os custos de alimentação e hospedagem dos passageiros que não embarcaram no fim de semana. Centenas de passageiros dormiram nos próprios aeroportos e bancaram suas despesas com refeições. Zuanazzi explica que, independente da causa dos atrasos e cancelamentos, as companhias são obrigadas pelo Código de Aeronáutica a bancar despesas de seus passageiros. "Pela legislação brasileira, elas têm uma responsabilidade clara", afirma. "Quando concedemos o Cheta [certificado de homologação para a concessionária] a uma empresa, há compromissos escritos. Se depois elas sentirem prejudicadas e quiserem ressarcimento, devem pleitear isso".

Embora cenas de caos e de desespero tenham sido amplamente divulgadas, Zuanazzi pondera que, do ponto de vista legal, a agência não pode basear suas atitudes nisso. Ele admitiu, no entanto, que multas poderão ser aplicadas às companhias com base nas queixas de passageiros nos serviços de atendimento ao consumidor da Anac nos aeroportos.