Título: Dividendo político é maior do que o econômico
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Brasil, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dá muito bem com seu colega americano, George Bush, mas o encontro que eles tiveram no último fim de semana expôs com clareza os limites que vêm impedindo a recente reaproximação dos dois países de produzir resultados economicamente vantajosos para o Brasil.

Lula e Bush passaram cerca de cinco horas juntos no sábado, quando o presidente brasileiro foi recebido em Camp David, a casa de campo do presidente americano na vizinhança de Washington. Esta foi a segunda vez que eles se encontraram em menos de um mês. Bush esteve em São Paulo no dia 9 de março.

Um tema dominante nas conversas do sábado foi o impasse na Rodada Doha de liberalização do comércio mundial. Mas tudo que os dois presidentes tinham a dizer na saída era uma repetição da retórica otimista de outras ocasiões semelhantes. "Estamos mais próximos do que jamais estivemos de fazer um acordo", afirmou Lula. "Vamos terminar o serviço", disse Bush.

As negociações da rodada estão suspensas desde julho do ano passado e o ceticismo sobre a possibilidade de uma retomada é crescente. Uma das razões principais é que Bush está com as mãos atadas pelo Congresso, onde a oposição resiste a renovar os poderes especiais de que ele necessita para participar de negociações na área comercial.

Lula e Bush também conversaram sobre o acordo que assinaram em São Paulo para promover os biocombustíveis. Lula voltou a cobrar em público de Bush o fim das barreiras tarifárias que encarecem o álcool importado nos EUA, prejudicando produtores mais competitivos como o Brasil. Bush nem piscou. O assunto permanece fora da mesa.

Lula e Bush anunciaram que concentrarão seus esforços de cooperação nessa área em quatro países, Haiti, República Dominicana, São Cristóvão e Névis e El Salvador. Mas eles sabem que será difícil convencer empresários a investir na produção de biocombustíveis nesses lugares se eles não puderem exportar o produto, por causa das barreiras no mercado americano.

A reaproximação entre o Brasil e os EUA produziu dividendos políticos até agora. Para Bush, o esforço para recuperar influência na América Latina e isolar líderes radicais como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ajuda a fugir de assuntos embaraçosos como a guerra no Iraque e as inúmeras dificuldades que enfrenta em casa.

Para Lula, é uma maneira de envernizar seu prestígio internacional e fortalecer sua liderança na região. "O Brasil quer ser um ator relevante no cenário global e uma postura de antagonismo com os EUA prejudicaria essa aspiração", disse ao Valor Peter Hakim, presidente do Diálogo Inter-Americano, um centro de estudos sediado em Washington.

Na semana passada, a boa vontade entre os dois presidentes passou por um teste significativo com a revelação das pressões que os EUA fizeram para que a Petrobras se afaste do Irã. Lula rejeitou as pressões e fez questão de demonstrar independência em Camp David, dizendo coisas amenas de um país que os EUA vêem como uma ameaça à segurança do planeta.

Para muitos analistas, a reaproximação dos dois países só renderá frutos quando for baseada em algo mais duradouro do que a relação amistosa que Lula e Bush têm cultivado. "A parte pessoal é importante, mas é preciso construir um relacionamento mais profundo no nível institucional", disse ao Valor o vice-presidente do Conselho das Américas, Eric Farnsworth.

Na primeira visita oficial de Lula aos EUA, em 2003, foram criados vários grupos de trabalho para promover ações conjuntas dos dois governos. O principal tem discutido miudezas como problemas na alfândega brasileira e normas de padronização técnica, sem resultados muito visíveis. No sábado, Lula e Bush aplaudiram o lançamento de mais um grupo, desta vez um fórum que reunirá altos executivos de empresas dos dois países para discutir a relação bilateral.