Título: Há mais milhas no 'ar' do que dólares
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2005, Finanças, p. C8

Em dezembro, nós alertamos que o papel do dólar como principal moeda do mundo estaria ameaçado se os Estados Unidos continuassem trilhando seus caminhos devassos. Mesmo assim, o dólar está sendo destronado ainda mais cedo do que esperávamos. Foi substituído não só pelo euro, iene ou yuan, mas também por uma outra moeda global cada vez mais popular: as milhagens aéreas. Cálculos da "The Economist" sugerem que o estoque total de milhagens aéreas não utilizadas pelas pessoas de direito vale hoje mais do que todas as cédulas de dólar em circulação no mundo. No fim de 2004, pelas estimativas da revista, existiam acumuladas no mundo quase 14 trilhões de milhas concedidas pelas companhias aéreas como prêmios aos passageiros mais assíduos. Mas qual é o valor de uma milha? As companhias aéreas as vendem para companhias de cartões de crédito a uma média de menos de US$ 0,02 a milha. Seu valor, quando usada para comprar uma passagem ou uma transferência para a classe executiva, pode ficar entre US$ 0,01 e mais de US$ 0,10 a milha. O uso da pontuação média dessa faixa significa que o estoque global de milhagens está avaliado hoje em mais de US$ 700 bilhões, mais do que todas as cédulas e moedas de dólar em circulação no mundo. Os pedantes vão reclamar que estamos ignorando os dólares que estão em contas bancárias, mas depois de algumas doses de gin e tônica servidas pela aeromoça, a maioria dos passageiros mais assíduos pouco ligam para a diferença entre M0 (a medida mais estreita da oferta de milhas, ou melhor, de dinheiro) e M3. As milhagens são há muito tempo uma forma de "dinheiro" usada como meio de troca e medida de valor. Viciados em milhagens checam sua relação todos os meses; até acordos de divórcio sempre aplicam um valor nas milhagens na hora da partilha de bens; e viajantes de negócios sonham em gastar seus enormes balanços na aposentadoria. Nunca foi tão fácil ganhar milhas. As companhias aéreas oferecem bônus especiais de milhagem tripla em certas épocas do ano - como no Hemisfério Norte em janeiro e fevereiro - e metade de todas as milhas são ganhas agora não no ar, mas no chão, especialmente em pagamentos de cartões de crédito. Mas, como resultado, as companhias aéreas vêm imprimindo demais essa moeda. O número de milhas não utilizadas aumentou quase 20% ao ano na última década. Às taxas atuais de resgate, mesmo que nenhuma milha mais fosse emitida, seriam necessários 25 anos para a utilização de todo o estoque. Em 2002, a "The Economist" previu que tais políticas inflacionárias inevitavelmente levariam a uma desvalorização das milhas. Isso de fato começou a acontecer: várias companhias aéreas aumentaram o número de milhas exigidas para um vôo gratuito, ou dificultaram seu uso no momento em que você pretende fazer uma viagem. Dificultar o uso das milhas acumuladas hoje somente aumenta as obrigações financeiras futuras das companhias aéreas com as milhagens não utilizadas. Se existisse, o Fundo de Milhagens Internacional (FMI) já teria alertado repetidas vezes que essas obrigações externas crescentes são insustentáveis, do mesmo jeito que os Estados Unidos não podem continuar tomando emprestado do resto do mundo. Se a nova moeda global fosse deixada inteiramente para o mercado, o valor das milhagens iria cair para se equiparar à demanda e oferta de vôos gratuitos - assim como o dólar ficaria mais fraco se os bancos centrais asiáticos parassem de investir nos mercados de câmbio. As milhagens não são melhores do que o dólar como moeda de reserva. Mas isso deixa passar um ponto crucial. Bancos centrais e ministérios das finanças têm um interesse muito maior em defender o valor das milhagens do que de incentivar o dólar. Afinal, seus funcionários cruzam continuamente o globo para participar de reuniões, acumulando milhas em suas contas pessoais. Se os vôos de primeira classe dessas pessoas para o Caribe forem ameaçados, elas provavelmente lutarão até a morte para impedir uma desvalorização. Contra uma competição dessas, o dólar não tem a menor chance.