Título: Novo mínimo pode levar mais municípios a descumprir a LRF
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Brasil, p. A4

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que o aumento do salário mínimo para R$ 380, em vigor desde ontem, elevará em apenas R$ 50 milhões, menos de 1%, o volume anual de gastos do conjunto das prefeituras brasileiras com pessoal, estimado em quase R$ 60 bilhões. O problema é que, apesar de pequeno na média, o impacto do reajuste é muito diferenciado entre os municípios, aumentando os casos de desenquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Principalmente pequenas cidades do Nordeste correm risco de passar a descumprir, involuntariamente, os limites da lei, ficando sujeitas a punições, alerta o presidente da CNM, Paulo Ziulkosky.

"O maior drama é o Nordeste. Há cidades onde até 70% dos servidores recebem salário mínimo", diz. O reajuste do piso salarial do país "é uma decisão federal, não da municipalidade", lembra ele. Por isso, durante a próxima marcha de prefeitos à Brasília, marcada para semana que vem, a CNM vai reivindicar a criação de um fundo, com recursos da União, para compensar as prefeituras do impacto do reajuste em suas despesas de pessoal, anuncia Ziulkosky.

A LRF permite aos municípios comprometer, no máximo, 60% de sua receita corrente líquida com o pagamento de servidores ativos e inativos. Devem ser respeitados ainda sublimites, de 54% para o Poder Executivo Municipal e de 6% para as Câmaras de Vereadores.

Nem todos, porém, cumprem o limite legal, em grande medida por causa do impacto dos aumentos anuais do salário mínimo, justifica o presidente da CNM. Relatórios encaminhados por 4.163 prefeituras ao Tesouro Nacional, em cumprimento a outro dispositivo da LRF, mostram que, em 2005, 261 delas gastaram mais do que 54% da receita líquida do município para bancar salários e respectivos encargos no âmbito do Executivo. Não há dados consolidados sobre as Câmaras de Vereadores.

Embora ainda não saiba para quanto, a CNM acredita que o número de prefeituras desenquadradas tenha aumentado em 2006 e que subirá de novo em 2007. A entidade reconhece que as receitas municipais também têm registrado elevação nos últimos anos . Mas lembra que o reajuste do mínimo tem sido bem acima da inflação. Só em abril de 2006, o piso salarial do país foi reajustado em mais de 16%. Com o reajuste de ontem, cresce mais 8,57%.

O fato de muitas prefeituras já estarem próximas do limite em 2005 reforça a possibilidade de que novos casos de desenquadramento tenham ocorrido. Em 499 municípios, os gastos do Executivo com pessoal situaram-se entre 50% e 54% da receita líquida naquele ano.

Na média das 4.163 cidades consideradas, o pagamento da folha ficou dentro do limite e comprometeu 43% das receitas, o equivalente a R$ 59,6 bilhões. As estatísticas levantadas pelo Tesouro deixam de fora mais de mil cidades. Mas em valores correspondem à quase totalidade, já que, normalmente, são as de menor porte que deixam de mandar informação ao Tesouro.

Existem no país 5.562 municípios. Uma pesquisa de 2004 indica que essas administrações empregam cerca de 3 milhões de pessoas e que, desse total, 253 mil têm salário equivalente ao mínimo, informa a CNM. O universo de servidores municipais que têm reajuste em função da mudança do piso salarial do país não se resume a este, pois pega também aqueles que ganham entre o velho e o novo valor do mínimo. A confederação não sabe exatamente qual é esse contingente. Mas imagina que represente boa parte dos quase 630 mil funcionários municipais que recebem entre um e 1,5 salário mínimo.

Paulo Ziulkosky reclama que, quando define o aumento do salário mínimo, governo federal e Congresso Nacional "só pensam no impacto sobre as contas da Previdência Social". Não se preocupam, na sua opinião, com o efeito sobre as finanças dos municípios. O presidente da CNM ressalta que não é e nem poderia ser contra a recomposição real do salário. Mas entende que os dois poderes federais não deveriam impor gastos adicionais aos municípios sem definir também a respectiva fonte de receita. Afinal, diferente do setor privado, as prefeituras não têm ampla liberdade legal para demitir e se ajustar.

A mesma regra que vale para a criação de despesas no âmbito da União - gasto novo, só com indicação de receita - deveria ser observada também nas decisões de impacto sobre outros entes da Federação, entende Ziulkosky. E a melhor forma de fazer isso, diz, seria a destinação de recursos federais a um fundo que compensasse os municípios pelo impacto do aumento do salário mínimo, pelo menos nos casos em que isso implicasse desenquadramento nos limites da LRF para gastos com pessoal. Ano a ano se avaliaria o montante necessário. Pelas estimativas da CNM, de imediato seriam necessários cerca de R$ 400 milhões para que as prefeituras desenquadradas voltassem a cumprir o teto de 54% da receita corrente líquida.

Ziulkosky admite que a própria LRF prevê mecanismos de enquadramento. Se não consegue elevar sua receita, o município pode, em tese, demitir servidores. "Isso, porém, é muito difícil. Demora anos. Eu diria que é quase impossível", afirma, referindo-se à proteção dada ao servidor pelo restante do arcabouço legal, incluído aí a Constituição Federal.

Ziulkosky lembra que, independentemente de o fator de desenquadramento ser ou não externo ao município, o prefeito fica sujeito a sanções. Enquanto durar o excesso ao limite de 54% da receita, ele pode ter que pagar multa de 30% de seu subsídio (equivalente a salário). A população também sofrer, pois o Tesouro Nacional pode bloquear o repasse de recursos federais voluntários ao município, ressalta o presidente da CNM.