Título: Multilatinas expandem-se nos 5 continentes
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2007, Brasil, p. A5

As multinacionais latino-americanas ganham cada vez mais espaço na disputa corporativa global, num cenário em que empresas de países emergentes ampliam a atuação no exterior e passam a comprar concorrentes sediadas no mundo desenvolvido. Para um seleto grupo de companhias da América Latina, a fase exportadora deu lugar a uma etapa em que o foco é adquirir ativos fora do país, mostra estudo publicado pelo Deutsche Bank Research, de autoria de Javier Santiso, economista-chefe do Centro de Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Na região, as multilatinas, como as denomina Santiso, vêm principalmente do Brasil e do México. Entre as brasileiras, o economista da OCDE destaca a Companhia Vale do Rio Doce, a Odebrecht, a Gerdau, a Embraer e a Votorantim.

O diretor-executivo de assuntos institucionais da Vale, Tito Martins, diz que reduzir o custo de capital e mitigar riscos são dois motivos fundamentais para a empresa ter se internacionalizado nos últimos anos, além da intenção de diversificar produtos e mercados. A Vale é hoje classificada como grau de investimento pelas agências de rating, a avaliação conferida a companhias ou países tidos como opções mais seguras para se investir. Isso contribui para reduzir o custo do crédito para a empresa, o que foi decisivo para a companhia ter poder de fogo para comprar a canadense Inco, adquirida no ano passado por US$ 17,6 bilhões.

Ao adquirir a Inco, a Vale comprou uma empresa de um país desenvolvido, ampliou mercados e diversificou atividades. Antes da operação, 65% das suas receitas brutas vinham da venda de minério de ferro e pelotas; com a empresa canadense, esse percentual cai para 45%, e o níquel passa a responder por 25% das receitas brutas da Vale. No mês passado, com a compra da empresa de carvão AMCI Holdings, da Austrália, a Vale passou a atuar em todos os continentes, nota Martins. "A Vale é cada vez mais uma empresa global."

Em seu estudo, Santiso diz que a internacionalização das multilatinas teve entre seus objetivos justamente a busca pela ampliação de mercados, a redução do custo de capital e a melhora do perfil de risco. "As multinacionais dos países-membros da OCDE não são mais os únicos compradores em operações de aquisições", escreve ele. Em 2005, do fluxo total de investimento estrangeiro direto no mundo, US$ 133 bilhões saíram dos emergentes, 17% do total, nível recorde.

Ao resolver atuar no exterior, as multilatinas atacaram em duas frentes, segundo Santiso. A primeira foi aumentar sua participação nos mercados emergentes, principalmente na própria América Latina. A outra foi ganhar espaço no mundo desenvolvido.

Ele cita o caso da Gerdau, que em 2005 adquiriu 40% da espanhola Sidenor. "A Gerdau conseguiu estabelecer posições importantes não apenas na América Latina, mas também na América do Norte", nota Santiso. Em 2006, 53,8% do faturamento da companhia veio do exterior. Dos ativos do grupo, 39% estavam fora do país no fechamento do ano passado. Na semana passada, a Gerdau fez mais uma aquisição fora do país, comprando a siderúrgica Tultitlán, num negócio de US$ 259 milhões.

Outra empresa brasileira com atuação importante no exterior é a Construtora Norberto Odebrecht. A companhia tem operações hoje em 16 países, entre eles Uruguai, Argentina, Venezuela, Panamá, EUA, México, Portugal, Angola, Argélia e Emirados Árabes Unidos. O diretor de investimentos e financiamentos internacionais da Odebrecht, Fernando Reis, diz que, em 2006, 65% do faturamento da empresa veio do exterior.

Segundo ele, a internacionalização da Odebrecht, que começou em 1978 no Chile, teve como objetivo estratégico a ampliação de mercados, passo decisivo para garantir um crescimento sustentado dos negócios. A redução do custo de capital foi quase uma conseqüência desse processo, diz Reis.

Para Santiso, o atual desempenho das multilatinas é conseqüência do ambiente de maior competição que tomou conta do mundo nos anos 90. Em 1991, nota ele, das 500 maiores empresas instaladas na América Latina, 20% eram estatais e 27% eram estrangeiras. Em 2001, esse quadro tinha mudado bastante: menos de 9% eram estatais e 39% eram estrangeiras. Isso pressionou as empresas locais, que em geral focavam apenas o mercado interno, a atuar no exterior, não apenas na América Latina como também em outras regiões do mundo, na África, Ásia ou mesmo em países da OCDE.

Santiso ressalta que o fenômeno não se restringe à América Latina. Um estudo do Boston Consulting Group divulgado em maio do ano passado identificou 100 multinacionais de países emergentes, das quais 70 são da Ásia (44 da China e 21 da Índia) e 18 da América Latina (12 do Brasil e seis do México). Em 2006, o fluxo líquido de investimentos brasileiros no exterior totalizou US$ 27,2 bilhões.

O economista da OCDE cita alguns fatores que explicam a expansão das companhias emergentes: todas elas são de mercados grandes, o que foi fundamental para que elas se tornassem grandes empresas; todas elas tiveram acesso a recursos a custo baixo, como mão-de-obra ou produtos primários; todas elas floresceram em ambientes difíceis, muitas vezes caracterizados pela falta de gerenciamento especializado, por arcabouços legais e financeiros instáveis e por sistemas de logística e infra-estrutura deficientes. "Todos esses obstáculos ajudaram a transformar as 'sobreviventes' em empresas altamente capazes, habilitadas para inovar e e tomar decisões rápidas para conquistar novas oportunidades", resume ele.

Martins, da Vale, diz que um dos fatores cruciais que explicam a recente internacionalização da empresa é justamente a capacidade de percepção de novas oportunidades, facilitada pelo bom momento que atravessam os mercados em que a companhia atua. Nos últimos anos, a Vale tem conseguido reajustes expressivos para o minério de ferro, num cenário de forte crescimento global. Em 2005, o aumentou superou 70%.

Santiso diz que as multinacionais emergentes ainda são relativamente pequenas se comparadas com as da OCDE, tendo ainda um alcance geográfico limitado. Mas, nota ele, a redução do custo de capital nos últimos anos e o apetite cada vez maior dessas empresas para expansão no exterior estão rapidamente mudando esse cenário. "As multinacionais dos países da OCDE não são mais os únicos atores do jogo global do investimento estrangeiro direto".